23/02/2009

A tradução culinária ao alcance do leitor









O texto, publicado parcialmente aqui, fiz como apresentação do livro de Elisa Duarte Teixeira e Stella E. O. Tagnin, Vocabuláro para culinária inglês/português, São Paulo, SBS Editora, 2008.



Estudos mostram claramente como os livros culinários se decalcam uns nos outros, em geral derivando do francês, a ponto de as receitas culinárias ficarem de fora das convenções internacionais sobre direitos autorais.
Mas penetrar nesse discurso exige estratégias racionais, como essa que nos oferece o presente glossário, competentemente elaborado por Elisa Duarte Teixeira e Stella Esther Ortweiler Tagnin com técnicas de tratamento lingüístico.
Trata-se de um trabalho que tem sua motivação sobretudo na sensibilidade, pois podemos facilmente imaginar a “utilidade” da tradução técnica em farmácia, em engenharia, em medicina e, com certeza, dificilmente encontraremos quem reconheça o mesmo estatuto na tradução técnica culinária. Este sempre foi um assunto considerado “menor”, especialmente pelo preconceito que o confinava ao universo feminino e ao universo da mão-de-obra escrava num país com o passado colonial do nosso.
O recurso à lingüística de corpus, no caso através da reunião de um vocabulário de mais de 3 milhões de palavras nos dois idiomas (inglês e português), permitiu construir, a partir de um critério estatístico (freqüência), a correspondência entre 300 palavras-chave da língua de partida (inglês). Assim, embora o glossário não cubra todo o vocabulário da culinária, ele se posta no coração da atividade de tradução.
Na tradução brasileira do Cuisine du marché (1976) de Paul Bocuse, uma grande confusão se estabelece no capítulo dos peixes. Vários nomes de peixes das famílias dos paralictiídeos (linguados) são traduzidos segundo vocabulário europeu (de Portugal). O linguado passa a se chamar rodovalho, diferenciando-se mesmo do solha (embora esta seja a designação vulgar do ‘linguado’ em Portugal). Assim, embora o nosso linguado (Paralichthys brasiliensis) possa ser uma indicação suficientemente precisa para o peixe utilizado por Bocuse, o sole, a confusão lingüística levou os tradutores brasileiros a sugerirem a adaptação das receitas com o sole (dito, então, rodovalho!) utilizando-se o cherne (Epinephelus niveatus), que é um serranídeo, e não um paralictiídeo. A edição Argentina, mais bem cuidada, não comete esses deslizes, embora também falte àquele país a correspondência exata das espécies de sole que se utiliza na França.
Neste glossário de Elisa Duarte Teixeira e Stella Esther Ortweiler Tagnin encontraremos o enfrentamento de questões semelhantes, como problemas para a tradução. É o caso do buttermilk, traduzido normalmente por leitelho. Ora, o leitelho dificilmente compõe o receituário brasileiro, sendo mais comum o seu uso em Portugal. Outra expressão que nos vem do inglês, o baking soda, é semelhante em composição química ao baking powder, (traduzido por fermento químico). Sabemos que a expressão baking powder tem sido traduzida por “fermento Royal”, por metonímia, sendo o baking soda traduzido por “bicarbonato de sódio”, quando é a mesma a matéria-prima do dito “fermento Royal” ou do “fermento químico”.
Por fim, vale acrescentar que o tratamento lingüístico da culinária é uma tendência que se consolida, procurando abrir caminhos em meio à Babel das receitas e dos procedimentos desenvolvidos nas cozinhas modernas. Este o sentido, por exemplo, de um léxico químico aplicado à culinária, recém editado por Ferran Adrià. Certamente, por conta de iniciativas como essas - de Adrià, de Elisa Duarte Teixeira e Stella Esther Ortweiler Tagnin - a culinária será um domínio do fazer humano melhor compreendido.

1 comentários:

jose alem disse...

Caros amigos, o Rodovalho é efectivamente o Pregado (Turbot em inglês), e não o Linguado (Sole em inglês e francês), como é referido na vossa descrição.

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