30/06/2009

De que crítica gastronômica precisamos? - VII

Um fenômeno curioso esse da moda dos nomes de pratos. Está certo: feijoada é feijoada, mas o que é "feijoada à moda da casa"? Ou "lagosta a Thermidor"? Mesmo que você saiba que é o 11º mes do calendário da República Francesa não refresca nada. Então, o crítico gastronômico precisa tabém ser um pouco crítico literário. Além de saber que quando meteram queijo parmesão na tal lagosta, trairam a receita.
A moda é mais ou menos mundial, a ponto de Santi Santamaría acusar uma certa “renovação” culinária de ser a aparência de um processo que se resume a rebatizar pratos. Renovações nominalistas.
Se formos a Escoffier (sempre ele!) encontraremos vários clássicos seus batizados em homenagem a clientes ou pessoas que admirava: pêche Melba; poire Belle Helene; fraises à la Sarah Berhardt; la poularde Sainte-Alliance. Ele odiou quando o New York Time disse que “Pêche Melba é o nome feudal para o nosso democrático sundae”. Não conseguia ver a relação entre uma coisa e outra. E havia se apagado sua homenagem à diva Nellie Melba que ele conheceu em 1893 no Savory, quando ela fazia uma temporada no Covent Garden.
Alguns dos seus pratos duraram bastante, apesar de degenerados. Como a lagosta a Thermidor. Eram nomes elitizados, que exigiam familiaridade, isto é, não eram para um “cidadão comum” como diria Lula.
Como o francês é o idioma da gastronomia clássica, os nomes fakes proliferaram. Como o norte-americano petit gâteau. Para quem sabe francês, um bolo pequeno. Quando foi criado nos EUA, nos anos 90, era só de chocolate. Hoje pode ser de diversos ingredientes, de sorte que pouca coisa de útil sabemos.
À época do Danton, nos divertíamos criando nomes de pratos. Pintade Lévi-Strauss. Era uma angola à cabidela, barbarizada com adição de creme de leite para disfarçar o sangue. Imaginamos o antropólogo deambulando pelo Brasil central, comendo angola e com saudades do creme de leite... Além disso, era super pedante. Mas o público, muito intelectualizado, entendia o recado. Para os que não entendiam, sob a linha do nome do prato em francês sempre havia uma explicação em português; em geral descrição dos principais ingredientes. Era uma época de transição.
Hoje os pratos perderam o nome evocativo de fantasia. Difunde-se uma linguagem de cardápio onde predomina, sobre a fantasia, a descrição que se pretende “objetiva”. Os clientes se dão por contentes quando o que é descrito é entregue à mesa. O cardápio é julgado pela “correspondência” com o real.
Então encontramos: patê artesanal de fígado de frango orgânico; cordeiro assado no forno a lenha; sorvete de chocolate Valrhona; salada verde orgânica com lâminas de parmesão; creme de feijão branco com camarões grelhados e perfumados ao pesto genovese; filé suíno com batatas ao forno com creme e queijo – e assim por diante.
Por trás da intenção descritiva, certas palavras e expressões se tornaram verdadeiros mantras da gastronomia atual: orgânico, natural, lâminas, perfumado, forno a lenha, baixa temperatura, suíno (em vez de porco), etc.
Como nos nomes escoffianos se insinuava o aristocratismo do comer, agora é toda uma idéia de ruralidade, de respeito à naturalidade das coisas, de delicadeza, de sustentabilidade e modernidade, que se dispõe à mesa para degustação de um público urbano ávido de vínculos com realidades mais simples e "puras", interessado por informações técnicas precisas. Co-partícipes da modernidade à mesa.
Sem compreender que as raízes dessas palavras são as ideologias nutricionais e estéticas que habitam a alma dos clientes, nunca se atingirá o real significado das frases adotadas nos cardápios para designar os pratos servidos.

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