17/11/2009

Prosperidade é se lambuzar de leite condensado

Muita gente defende a idéia que o leite condensado é um alimento “popular” e “tradicional” no Brasil. Várias receitas parecem impossíveis sem ele; muita gente desaprendeu como trabalhar com leite e açúcar quando eles não vêm misturados industrialmente. Alguns se recusam até a reconhecer que se chega a um pudim de leite melhor partindo do simples leite, ovos e açúcar – parece canônico que essa sobremesa “tem que ser” de leite condensado. O mesmo para o brigadeiro. O que décadas de marketing da Nestlé fizeram conosco ou com a nossa convicção de que somos capazes de fazer coisa melhor!

Leite condensado é leite e açúcar, e um pouco de amido. Mas, afinal, quem consome isso domesticamente? Vejamos o leite, o açúcar e, depois, o leite condensado, analisando os dados do IBGE sobre a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF).

A família brasileira consome, em média, 45 quilos anuais de leite e creme de leite em várias formas. Os pobres (até um salário mínimo de renda familiar mensal) comem 25,6 quilos; os ricos (mais de 7,5 salários mínimos de renda familiar mensal), comem 64 quilos. Os pobres comem 15 quilos de leite de vaca fresco e 8, 5 pasteurizados; os ricos, 8,9 de leite fresco e 50 de leite pasteurizado. Os pobres estão concentrados no campo, mais perto das vacas – o que explica a inversão da tendência, mesmo considerando que a renda mais que dobra o consumo total de leite.

E o açúcar? Na média a família brasileira come 20,4 quilos por ano. Os pobres, comem 20,5 quilos; os ricos, 16,3 quilos. É mais do que pobres e ricos comem de feijão seco por ano (respectivamente, 15 e 11 quilos). Mais açúcar do que feijão entra na casa de todos nós.

E o leite condensado? O pessoal que ganha até um salário mínimo consome anualmente 117 gramas. Pesando uma lata 395 gramas, isso significa que compram menos de uma lata por ano! Mas a quantidade vai crescendo, acompanhando a renda, e os “ricos” consomem 1,279 quilo.

É estranho que esse ingrediente seja considerado uma das bases da culinária “popular”. De onde as pessoas que defendem o “canônico” leite condensado tiraram esse argumento?

Os analistas da economia alimentar apontam que, num país tão pobre, a melhoria de status se expressa, por exemplo, no incremento do consumo de iogurte (cresce 6 vezes no intervalo entre pobres e ricos). Mas o consumo de leite condensado cresce 10 vezes no mesmo intervalo de renda, o que sugere que é um indicador melhor (mais sensível) da prosperidade.

5 comentários:

Unknown disse...

Caro Carlos,

É curioso como esses números desmentem claramente alguns “mitos”.
Embora aqui em Portugal o uso do leite condensado seja residual (não me refiro a dados oficiais mas apenas à minha própria constatação), verifico que nos PALOP que conheço (Moçambique principalmente) o uso de Leite condensado está muito difundido. Talvez por isso, tenha associado esse consumo massivo mais à população com parcos rendimentos (renda).
Outra coisa. Não seria hora de rever (IBGE?) esses limiares que servem de base à definição de Pobre ou Rico? É que me parecem um pouco desajustados.

Um sincero obrigado por partilhar diária e democraticamente a sua imensa sabedoria.
Bem-haja

Miguel Santos

e-BocaLivre disse...

Miguel,
obrigado pelos comentários. A questão de "pobre" e "rico" é uma caricatura minha,não do IBGE. Do ponto de vista da renda, a coisa é bem complexa, especiamente nos estratos rurais onde a renda não-monetária pesa bastante no custeio da família. Mas, sem dúvida, no Brasil, a distância entre 1 e 7 salários mínimos configura um abismo de consumo.
Abraços

Anônimo disse...

O leite condensado é um produto banalizado. Isso que tu nem chegaste a comentar do consumo em restaurantes, docerias, eventos. Esses sim chegam a ser vergonhosos, e nem os próprios cozinheiros metem a cara para desenvolver um produto diferente ou sair do convencional.

Claudia disse...

A classe dominante brasileira (burra) tende a acreditar que ela representa o Brasil, que o que ela come ou quer comer representa o que o povo come. Talvez, para mostrar que ascendeu, queira começar a comer.


Enfim, na culinária nordestina e sertaneja, por exemplo, não há um doce sequer cuja receita seja feita com leite condensado. Já com melado, mel e rapadura, há montes. Me lembro o ataque de raiva que minha mãe tem e minha avó (maranhense) tinha com a simples idéia de um cuscuz de coco, um mugunza (canjica de milho branco) ou uma cocada de coco feitos com leite condensado. É crime lá em casa até hoje.

Leite condensado é um produto da indústria que se firmou nas grandes cidades assim como o cubinho do caldo knorr, o molho pomarola azedo, saco de macarrão, sopas de envelope e todo tipo de enlatados e empacotados produzidos pela indústria e que contribuiram para forjar uma cultura da urbanidade mal alimentada e, indiretamente, facilitar a vida da madame, ou melhor, da cozinheira da madame.

Até o supremo doce urbano (da elite) brasileiro, o brigadeiro, é doce inventado pela cozinheira da madame urbana. Andando pelo Brasil real você não acha um brigadeiro para vender, brasileiro não come brigadeiro.

Enfim, achar que leite condensado é cultura ou que é importante na dieta do povo ou é um alien ou alguém que acha que o Brasil se faz ao redor das grandes cidades... felizmente não, felizmente há o sertão para nos salvar da nossa mediocridade elitista e insalubre.

E nutrir carinho por porcaria enlatada é uma velha vocação das elites.

C.

(descobri recentemente que na Ásia leite condensado é o principal adoçante em Hong Kong, Tailândia, Filipinas, Vietnam e muitas partes da China o consumo do danado é galopante...)

Claudia disse...

Por falar nisso vou fazer e separar para te dar de presente um vidro do meu doce de leite que cozinha por pelo menos 5 horas e que é mexido por pelo menos uma hora e meia, mas que não há substituto na indústria mundial. Receita da vovó, mas essa a mãe do meu pai e era de família mineira!

C.

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