04/12/2009

A dificuldade com a arte culinária

A dificuldade com a arte culinária é enorme. É claro que ela nasceu com o sentido de “oficio”, como eram artistas ou oficiais os pintores célebres. E por alguma razão, difícil de saber, essa “arte” foi aproximada das artes plásticas.

O próprio Carême fez isso. Ele via a pâtisserie como um ramo da arquitetura. E quando os irmãos Troisgros começaram a mandar comida empratada da cozinha, nos anos 1970, abriu-se, de novo, um terreno de desenvolvimento escultório da comida. Não consigo ver o desenvolvimento do “espumismo” de origem catalã sem referência a esta história. O mesmo em relação à “crise do suporte” (sic): o prato. Por isso, parece, têm razão críticos de arte quando dizem que a gastronomia não é uma arte porque não possui objeto próprio.

Sem prejuízo da análise da arte decorativa à mesa, é preciso avançar. E não vejo outro caminho senão aquele indicado por Hervé This no livro La Cuisine c´est de l´amour, de l´art, de la techinique, a sair em breve em português.

Sua tese, visando superar o reducionismo visual, é que a estética culinária ou está no conjunto de percepções suscitadas pelos alimentos ou não está em parte alguma. Inclusive a percepção subjetiva. Esta, por sua vez, nasce da simpatia que sentimos uns pelos outros e que nos faz animais sociais.

A tese da simpatia, aliás, não é dele. É de Darwin, em The descent of man (1871), livro que a maioria das pessoas acha, equivocadamente, que é uma aplicação da teoria da seleção natural ao homem. Ao contrário, leituras recentes mostram que ali está uma antropologia original.

Embora não faça a relação direta com essa obra, Hervé This desenvolve a sua idéia central, aplicando-a à alimentação. Em síntese, é a seguinte: a civilização nasce da evolução do instinto social, quando a divisão sexual do trabalho nos torna dependentes uns dos outros (inicialmente no cuidado prolongado da cria). Esse instinto social exige que o animal se arrisque, corra perigo, pelos outros. Este altruísmo (que Darwin chama “simpatia”) é reforçado pelo grupo, em detrimento dos comportamentos egoístas. Nele se baseia o desenvolvimento de conhecimentos e técnicas que resultam, por exemplo, na medicina – que protege os fracos frente à “seleção natural”. O instinto social é um “comportamento anti-selecionista”, ou a reversão da seleção natural.

Cozinhar, diz This, é sempre “cozinhar para o outro”, motivado pela simpatia. Não temos o instinto de tomar a cozinha como algo egoísta. Não estamos sós ao cozinhar ou comer. Este vínculo simpático que se cria ao cozinhar para o outro – o que Hervé chama de amor – seria a base da compreensão da cozinha como arte, pois é nesse plano que alguém pode expressar sentimentos, inclusive estéticos, como algo vinculante.

É, sem dúvida, um novo ponto de partida. Não sei se resolve o reclamo dos críticos de arte, nem no que vai dar no médio prazo.

1 comentários:

Claudia disse...

Olha, eu não costumo gostar de críticos de arte mas concordo totalmente com eles nessa hora. Acho graça no esforço que andam fazendo para transformar os chefs de cozinha em artistas (que merecem críticas). Acho que nunca vai ser, pelo menos não deveria, não faz qualquer sentido na minha amadora opinião.

Enfim, gostei da parte em que você apresenta a tese da simpatia/social do Darwin, excelente...

C.

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