Quem aprende a cozinhar, quais livros de receitas deve ter? Eis outra pergunta de difícil resposta. Os livros são, nessa circunstância, o mesmo que as rodinhas de bicicleta para quem aprende a andar, ou a bóia para quem aprende a nadar.
Se dividirmos o cozinhar em capítulos como ingredientes, técnicas e receitas, estas últimas são anotações sobre o processo de transformação ou, como escreveu Bocuse, o registro de certas “proporções”. Claro, cada cozinheiro encontrará a proporção que melhor expresse o seu caminho ou o resultado a que quer chegar.
A ansiedade do cozinheiro-de-primeira-viagem diante do fogão é o principal inimigo da gastronomia. Quanto menos conhece o sistema culinário, mais requer informações precisas na ilusão de se afastar do erro: quantos gramas? Quanto tempo? Antes ou depois? Às vezes comete um “erro” e, surpreso, descobre que chegou a um bom resultado; antes de concluir que a cozinha é um caminho aberto, achará que a receita “estava errada” e perderá a confiança na fonte.
O mundo editorial aposta na ignorância e cospe cada vez mais livros de receita. O leitor sem método compra essa subliteratura e vai formando uma estante de dar inveja a outros cozinheiros-de-primeira-viagem e, assim, la nave và.
Claro, pessoalmente também fiz esse percurso e hoje sei que ¾ da minha biblioteca culinária tem valor nenhum. Agora prefiro os tratados gerais e livros clássicos, com um lugar reservado para os chefs que marcaram época.
Não há coisa da cultura culinária ocidental que não seja possível fazer a partir do Larousse Gastronomique e do Le guide culinaire, de Escoffier. No caso da cozinha francesa, Ma cuisine do mesmo Escoffier. Podemos encontrar nesses três livros a base de tudo, e eles são suficientes para guiar o auto-aprendizado de qualquer um. Trata-se de livros canônicos, embora Larousse gastronomique se esforce para incorporar inovações de tempos em tempos.
Num estágio de maior sofisticação, entram Bocuse e seu La cuisine du marche ou La mia nuova grande cucina italiana, de Gualtiero Marchesi. Claro, os livros dos Troigros, de Roger Vergé, de Bernard Loiseau surtirão o mesmo efeito: o leitor verá o poder das reinterpretações sobre as receitas clássicas, ou seja, estará diante de uma memória do trabalho de um chef criativo. Gosto também de alguns livros monográficos, como o Les legumes de mon moulin, livro de Vergé datado de 1992.
Com esses poucos livros é possível se divertir a vida toda, sem jamais se repetir. Com a vantagem de se estar dialogando com grandes mestres, podendo confrontar seus trabalhos com as formulações clássicas (Larousse Gastronomique e Le guide culinaire) e, assim, descobrir os estilos de cada um.
Claro, há livros monográficos interessantes. Sobre uso de ervas e especiarias; sobre sorvetes; sobre pães e assim por diante. Mas esta é já uma fase de especialização, bem distante do início do aprendizado.
Os de cozinha étnica também parecem úteis. Mas, não raro, eles são bem caricatos. A menos que você acredite, por exemplo, que a riqueza culinária brasileira se resume a vatapá, moquecas, churrasco, baião-de-dois e doce de leite. Não é tão simples assim, você sabe. E por que seriam simples as cozinhas mexicana, tcheca ou espanhola?
15/02/2010
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3 comentários:
Nossa, me indentifiquei com seu texto Carlos! Sou amante da cozinha, mas muito ansiosa para cozinhar! Venho tentando melhorar, mas ainda não cheguei lá. Por isso fui um pouco mais longe e resolvi começar pelo começo: "A Fisiologia do Gosto" de Brillat-Savarin. Resolvi procurar esse olhar mais científico. De grão em grão eu chego lá!
Adorei as dicas dos livros!
Abraço,
Helena
Helena, acho legal ler Savarin e os demais autores dos séculos 18 e 19. Mas, por esse caminho, não se aprende a cozinhar. Aprende-se com Savarin sobre o novo lugar da culinária no mundo moderno.
Abraços
Eu acredito que a utilidade dos livros de receitas depende muito dos objetivos de cada cozinheiro. Cozinheiros amadores, de fim-de-semana, sem maiores pretensões, podem encontrar nesses livros um bom caminho-das-pedras para chegar a pratos a partir da mera cópia. É um caminho. Concordo que para ir além da cópia, é necessário conhecer a estrutura de um sistema culinário, se aprofundar nas técnicas e nos seus porquês, conhecer fundos de sabor e se arriscar em novas combinações... Mas não necessariamente este é o objetivo de todos. Mas sem dúvida alguma os clássicos que vc apontou são opções seguras, quer para quem deseja apenas reproduzir receitas quer para quem deseja conhecer uma culinária (no caso, a francesa) mais a fundo.
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