À época da Bienal do Livro pude cruzar várias vezes com Ana Rita Dantas Suassuna. Ela peregrinava pela cidade e pela feira de livros com um único exemplar do seu Gastronomia Sertaneja (São Paulo, Melhoramentos, 2010) que, agora, chega às livrarias.
Devo confessar que abri o livro com medo. Temendo encontrar doses mais fortes de “suassunismo” do que de culinária. Não gosto da estética do armorial brasileiro e suspeitei que poderia encontrar a heráldica da cozinha sertaneja. Mas não. Topei com um livro sério, maduro, refletido, com 125 receitas selecionadas com critério sólido.
Os livros de receita úteis para pesquisadores são raríssimos. Normalmente são cópias uns dos outros, numa autofagia infinita. Eles valem mesmo quando se apoiam em fontes primárias – como aquele que surgiu no ano passado e que resenhei aqui (Cozinha tradicional indígena do Alto Rio Negro). Esses livros realmente acrescentam algo à base tão estreita de conhecimento dos modos de comer brasileiros.
O sertão é uma vasta região muito pouco conhecida nos seus hábitos alimentares, assim como em sua história. Do ponto de vista culinário, isso resulta num preconceito fortemente arraigado que vem desde Gilberto Freire. Este estudioso, comparando as várias cozinhas brasileiras, escreveu: “sertão: áreas caracterizadas por uma cozinha ainda agreste”. Mas eu mesmo pude verificar, em várias viagens, que não se trata disso: é uma culinária surpreeendentemente delicada e sofisticada e que, no geral, nos aproxima muito do padrão rural ibérico ao se afastar das demais cozinhas brasileiras.
Ana Rita, que escreve bem pra burro, soube classificar as receitas que coletou em categorias também interessantes: bolos e biscoitos, papas e mingaus, rapadura e mel, doces, milho, tapioca e cuscuz, feijão, caças, galinha, carnes, peixes, farofas, arroz, verduras e legumes, culinária de ocasiões festivas. Isso permite uma aproximação do leitor que também é diferente do que está acostumado, quando as receitas são agrupadas segundo o ritmo da refeição.
A metodologia de construção adotada por Ana Rita permite que nos demoremos no conhecimento de cada categoria: a importancia do milho, a hierarquia das várias carnes no sertão, as verduras e legumes, a doçaria, e assim por diante. É o que veremos a seguir.
(Continua nas próximas postagens).
28/08/2010
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8 comentários:
Marcela, sempre será útil ler Capistrano de Abreu, sobre os caminhos antigos do povoamento.
Anciosa? Anciosa? - seria útil simplesmente ler.
Bastava dizer que ansiosa se escreve com "s", sem ironia.
Adorei a dica de livro Sr.Dória, sou sertanejo do seridó potiguar e apaixonado pela comida nordestina do interior.
Meu trabalho de mestrado, que defendi há duas semanas, foi sobre os restaurantes especializados em "cozinha sertaneja" aqui da minha cidade (Fortaleza-CE). Fiquei animada com essa nova publicação. Mas, pesquisando aqui na internet, encontrei apenas na livraria cultura por R$ 149,00, fora o frete. Alguém sabe dizer se eu consigo comprar mais barato em algum outro lugar?
Fátima, encontrei na página da Livraria Melhoramentos por R$ 107,28 e frete grátis.
Cláudia - Seria interessante tbm a sutileza de calar-se diante de alguns equívocos!
Agradeço a dica, Marta!
Vou olhar agora mesmo! ;)
Abraço!
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