15/11/2010

Como será construída a “nova culinária brasileira”? - III

Assim como o leite condensado, há infinitos produtos – industriais ou não – que deitaram cidadania no modo brasileiro de comer. Esse processo histórico começou, alias, ao tempo das navegações. A jaca, por exemplo, veio de longe, como a manga e tantos outros vegetais.

Mas também veio, com força, a farinha de trigo no pós-guerra. Ela era utilizada antes, é claro, mas não tão amplamente. A sua penetração se deu dentro de programas de ajuda norte-americana (o programa “Ponto Quatro”, que foi o “Plano Marshall” para a América Latina). O resultado: outras farinhas – especialmente a de milho e, secundariamente, a de mandioca – foram expulsas da dieta de muitos brasileiros, quase desaparecendo nos meios urbanos. Decaíram o cuscuz e a tapioca, ascendeu o pãozinho dito “francês”.

Mas há parcelas do território onde essas farinhas resistiram bravamente. Enquanto na média brasileira a farinha de trigo é consumida à razão per capita anual de 5 quilos, a de mandioca 7,7 e o fubá de milho, 3 quilos, num estado como o Piaui, a de trigo não passa de 1 quilo, a de mandioca, 11 quilos e a de milho (fubá) 10 quilos – sem contar a fécula de milho. O pão francês, por sua vez, não passa de 4 quilos anuais, ao passo que na Paraíba atinge 12 quilos e, no Brasil como um todo, 14 quilos. Assim, os que propugnam pela “nova culinária brasileira” precisam meditar sobre qual amido é o fundamental para bem marcar essa trajetória.

Esse tipo de análise poderia avançar bastante, mas não é o propósito aqui. Só precisamos refletir sobre quais traços componentes do quadro atual, tão diversificado, possam ser o mais relevantes – “autênticos” ou desejados – quando pensamos o desenvolvimento de produtos culinários que tenham correspondência com o comer popular. Assim, podemos ir constituindo o repertório: farinha de milho, de mandioca, leite condensado, açaí, tapioca, etc.

Por esse caminho, muito provavelmente, chegaremos a uma situação na qual teremos, de um lado, o que os brasileiros mais consomem, independente das receitas dominantes e, de outro, o que consumiram historicamente ou o que é típico de uma tradição étnica. Por onde, então, caminhar com a pesquisa e a experimentação?

Um bom princípio seria ver o que tem sido feito e o que não tem sido feito, ou seja, a culinária “renovada” de feitio prático. A primeira dificuldade é que cada vez mais chefs de cozinha se engajam nessa vertente, dificultando uma visão ampla pela própria dispersão dessas iniciativas.



Ficamos, então, na dependência da comunicação, especialmente da imprensa especializada, que funciona como um “filtro”, um selecionador que dificulta a visão do todo, especialmente porque está concentrada nos grandes centros consumidores como São Paulo e Rio de Janeiro e o gosto dessa parcela do país acaba se impondo aos jornais. Nesse quadrante, por exemplo, quase não se aprecia vísceras e entranhas e, então, é todo um capítulo da culinária brasileira que fica de fora. No geral, falta-nos aquela perspectiva global, à francesa, que nos mostra “o melhor” de cada terroir ou região gastronômica, apresentado o resultado a uma audiência nacional. Falta-nos a perspectiva de integração das partes num todo reconhecível como “nacional”.

(Segue nos próximos posts)

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