16/06/2011

Leitor de 5ª - Bicho de goiaba, goiaba é

O que irá acontecer no futuro? Pier Paolo Picchi vai abrir tratoria na Vila Olimpia; A Bela Sintra, La Tambouille; Due Cuochi (atenção revisores do Comida, vocês grafaram Due Chouchi, ô loco sô!) Pobre Juan e Gero a caminho de Brasilia. É a força da grana que ergue e destrói coisas belas...

Capa da Comida: os ceramistas que ocupam as mesas dos restaurantes paulistanos. A cerâmica encontrou um nicho e tanto ao se associar à gastronomia. Puro japonismo. Capa do Paladar: goiabada. E mais mil folhas e pipoca, o menu dessa nossa 5ª.

A foto da caixeta de formatar goiabada, na capa do Paladar, é registro de coisa em extinção. Receitas de goiabada, indicação de 10 diferentes goiabadas com qualidade. Meu texto, sobre a metamorfose da marmelada em goiabada, vai ao final desse post.

Japoneses. No Comida, matéria com a professora Chihiro, que gosta de feijoada. No Paladar, o filme que só Olivia Fraga viu sobre Jiro Ono e o "melhor sushi do mundo".

A matéria de Patricia Ferraz sobre arrebentação de pipoca, feita lá no Lá na Venda, faz um “corte epistemológico” que exclui pipoca de rua ou cinema e pipoca de microondas. Acho ocioso discutir sobre a “melhor” pipoca; para mim, arrebenta ou não. O mais é aditivo, não substantivo. E devemos reconhecer que as de microondas arrebentam mais que as de panela, deixando menos piruá. Deveríamos levar o microondas a sério. Ele não tem culpa de ter sido descoberto por acaso.

A matéria equivalente, no Comida, é sobre o mil-folhas. E prevalece, no texto de Juliana Cunha, aquela linguagem desinformativa de que o “bom” é fruto de “segredos”. Quais são eles? Não deixar o mil-folhas montado com antecedência; usar manteiga, nunca margarina. Segredos de liquidificador; para gente que nunca deu uma olhada em receita clássica de mil-folhas. Digamos que o “segredo” verdadeiro esteja na cara: o trabalho imenso de fazer a massa folhada.

Resenhas de restaurante: nada apaixonante. Josimar analisa o Oryza, com muito boa vontade. Luiz Américo idem, o Figueira. Esse, quem deu um jeito nele foi a Paola do Arturito. Estava caidaço, gastronomicamente falando. Você pode pagar R$ 200 mangos para conferir. Ou ir gasta-los no Arturito, que me parece melhor aplicação.

O que escrevi no Paladar, sobre goiabada:


Na musica Sitio do pica-pau amarelo, Gilberto Gil evoca a “marmelada de banana”, a “bananada de goiaba” e a “goiabada de marmelo”. Sua intenção artística é misturar e confundir, mas, de fato, marmelada de banana ou de goiaba são perfeitamente factíveis.

Goiabada é marmelada de goiaba. A palavra “marmelada” já existe no inglês e no portugues do século 15. O inglês diferencia jelly, jam e marmalade - todos para a classe particular das conservas de frutas. Só a partir do século 17 a palavra se aplica a conservas de frutas cítricas e, no italiano, desde então marmellata designa qualquer geleia ou marmelada.

Jelly se obtem filtrando num pano as frutas cozidas com açucar, deixando precipita o suco e a pectina, obtendo-se um “gel” translúcido e doce. A jam é a nossa geléia, como a de morango, onde se preserva a fruta toda. E a marmelada? É aquela que inclui a casca e o bagaço da fruta, podendo se apurar até obter um sólido que se corta com a faca.

O marmelo, da família das rosaceas, parente da maçã e da pera, veio para a Europa provavelmente da China. A “marmelada” é originalmente a conserva de marmelos. A origem portuguesa da palavra sugere como integrou, simultaneamente, o vocabulário e a mesa européia. A substituição da fruta, porém, não abolia o nome, que se tornou gênero de conserva. João da Mata, célebre cozinheiro portugues do século 19, fala no seu Arte de cozinha (1876), da “marmelada de marmelo” e indica que o marmelo poderia ser substituído por...goiaba!

A receita de João da Mata indica que se deve usar partes iguais de açúcar e polpa. Mas ele dá uma dica preciosa: essa proporção é útil quando se quer conservar a fruta por mais de um ano; mas quando se pretende consumir no mesmo ano deve-se diminuir o açúcar em 25%. Em outras palavras, a função do açúcar é conservar, e não só adoçar. Portanto, o mínimo de açúcar possível mostrará mais do sabor original da fruta.

Em Minas Gerais, segundo tradições familiares variadas, se faz goiabadas com diferentes teores de açúcar. Especialmente a goiabada “cascão”, pois a casca é um corpo sólido que se conserva íntegro dentro da massa da goiabada sem absorver o açúcar. Assim é a goiabada da fazenda Calciolândia, no município de Arcos, com teor de açúcar de apenas 20 a 25%.

Quanto menos açúcar, porém, é preciso que se diminua o teor de água, para dificultar a propagação dos microorganismos. Então, a goiabada será mais apurada e terá mais sabor da fruta, sendo mais dura ao corte da faca

BOX
BICHO DE GOIABA, GOIABA É!
“O que você prefere: morder uma goiaba e encontrar um bicho, meio bicho ou nenhum bicho?” Essa troça infantil funciona como um “teste de inteligência” na roça. A criança que prefere encontrar nenhum bicho certamente já comeu o bicho todo, tal é a inevitabilidade das goiabas silvestres servirem de meio alimentar para larvas de insetos. Só as goiabas industriais, dessas que são envoltas em papel uma a uma, se livram do ataque dos insetos. Em compensação, são outro produto: maiores, porque adubadas e selecionadas por tamanho; menos saborosas.
A goiabada feita com goiabas silvestres, colhidas já maduras, trás inevitavelmente os vermes. Disolvidos na massa cozida, são impossíveis de identificar. Daí o dito popular: “Bicho de goiaba, goiaba é!”


Por hoje, estamos conversados.

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