01/11/2011

Nem só de ostras e frutos do mar vive a inteligência

Há alguns anos, no Prazeres da Mesa, encontrei Bella Masano discutindo ingredientes brasileiros com tal veemência e politização que pensei: isso não se aprende de barriga no fogão, a Usp está fazendo efeito.

Ela havia me dito que estava fazendo um mestrado na FAU, sobre restaurantes paulistanos. Dei alguns palpites sobre como organizar a pesquisa, e foi só. Agora, me manda A gastronomia paulistana: o local e o global no mesmo prato (FAU-Usp, Tese de Mestrado, São Paulo, 2011), um volume de 264 páginas, com muitas tabelas, gráficos e mapas.

É um trabalho e tanto, especialmente considerando o que são hoje em dia as teses de mestrado. Talvez devesse ter feito direto um Doutorado, mas Isabella Raduan Masano é modesta.

E o incrível é que, sem abandonar a condução do seu restaurante Amadeus, tenha encontrado tempo para ler, refletir e escrever. Escrever num português de fazer inveja a um bom universo de mestrandos ou doutorandos. E eu, que sempre acreditei na afirmação de Santi Santamaria de que cozinheiros têm aversão a livros, tive que engolir essa convicção apressada.

Não sei porque ela foi desenvolver seu trabalho acadêmico na FAU, mas certamente isso mostra a dificuldade da universidade pública brasileira em acolher alguém que queira se dedicar ao tema “gastronomia” em nível superior. Não há, ainda, um escaninho pronto para receber trabalhos com esse. Todas as teses acadêmicas sobre gastronomia se inserem de modo improvisado nas universidades que, junto com a Fapesp, ainda acham que gastronomia é “frescura”.

Bella se preocupou com a oposição entre “global” e “local” na construção de caminhos culinários na cidade de São Paulo. Analisou muitos documentos, muita coisa publicada na imprensa semanal e diária, muitos guias, e entrevistou muitos chefs de cozinha. Comprovou que São Paulo, culinariamente falando, é uma “zona de diálogo entre o local e o global”, representando convergências no prato.

E para nós, que somos preguiçosos, ela fornece elementos preciosos da história recente da alimentação na cidade. Por exemplo, construiu tabelas a partir da POF do IBGE, mostrando a aquisição alimentar dos domicílios da cidade por faixas de renda; construiu mapas geo-referenciados que localizam feiras e super-mercados na malha urbana; mostrou também como, ao longo dos anos, os restaurantes resenhados pelo Guia 4 Rodas foram se espalhando pela malha urbana. Em 1966, esses restaurantes eram 131; em 2010, eram 363 com forte deslocamento em direção sudoeste.

Enfim, a tese de mestrado de Bella Masano expressa muito trabalho, muito trampo e muita reflexão. Mais do que um exemplo para os seus colegas de profissão é um instrumento utilíssimo para conhecermos melhor o panorama da gastronomia paulistana - objeto sobre o qual vivemos falando, mesmo quando não temos a menor idéia a respeito dessa coisa cambiante.

4 comentários:

Deni Bloch disse...

Adorei!

Ricardo Neves Gonzalez disse...

É sempre auspicioso ver uma mulher, excelente cozinheira e pesquisadora nos brindar com obras deste nível. O Brasil, em especial São Paulo sai ganhando. A Bella nosso muito obrigado.
Ricardo Gonzalez

Bobson disse...

Olá, fiquei muito interessado em conhecer essa tese. Não moro em São Paulo o que dificulta o acesso ao trabalho. Não encontrei o mesmo na biblioteca digital da usp. Caso alguém tenha uma versão digital basta mandar um e-mail para bobson@cerrados.org

Mau Marques disse...

Onde posso saber mais sobre essa tese?

Teria algum jeito?

Será que a apresentação já foi feita? rs....

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