O sucesso de um restaurante é das coisas mais misteriosas. Por mais que seu chef ou proprietário acredite que está em suas mãos construí-lo, as informações do mercado dizem o contrário. São Paulo tem cerca de 70 mil bares e restaurantes, mas 35% dos restaurantes abertos encerram as atividades antes de um ano, ao passo que apenas 3% conseguem completar 10 anos, segundo a Abrasel. Isso quer dizer que o ciclo de vida é necessariamente curto, inferior a uma década, e é determinado por mais fatores do que seus talentosos controladores podem perceber.
Aqueles que ultrapassam os marco temporais mais distantes alimentam os sonhos e esperanças daqueles que, ano a ano, abrem as suas portas, em geral fechando logo. Para sobreviver, é preciso que interpretem bem as tendências do mercado, respondendo ao que o público deseja em termos de cardápio, preço, decór, localização, etc. Não é fácil e é preciso fôlego capitalista. Com todo nome e fama angariado pelo DOM, Alex Atala declarou ao jornal Valor que ainda não conseguiu amortizar os R$ 6 milhões que investiu no Dalva & Dito.
Como escreveu Balzac na sua análise fria do efeitos do capitalismo sobre a cultura em geral (Ilusões perdidas), “uma das maiores tolices do comércio parisiense é querer encontrar o sucesso nos análogos, quando ele está nos contrários. Em Paris sobretudo, o sucesso mata o sucesso”. A Paris do século XIX era apenas um microcosmo do que se expandiria infinitamente, inclusive como modelo para outros países e, hoje, “o sucesso mata o sucesso” em toda parte, isto é, os nichos de mercado não comportam o crescimento ilimitado da concorrência. É preciso que esta descubra novos nichos. Na culinária e nos demais ramos do consumo, a inovação é responsável pela atração do público que, mesmo sem consciência clara, a desejava.
Nas duas últimas décadas assistimos a expansão dos shopping centers e, neles, das praças de alimentação. A lógica que se impôs foi a ancoragem nas cadeias de fast food, que logo identificaram ai as condições para um crescimento mais ou menos tranquilo. A mortalidade delas foi quase nenhuma. Marcas internacionais ocuparam o terreno com desenvoltura. Outras, nacionais, se criaram e algumas prosperaram, tendendo hoje à internacionalização em caminho inverso.
Nos últimos cinco anos, os próprios shoppings centers, já satisfeitos nesse segmento de mercado, começaram a inovar, procurando atrair os restaurantes “de rua” com marcas consolidadas em segmentos superiores de renda. “Os shoppings que tiveram esta visão certamente ganharam em termos de imagem. O mesmo vale para os restaurantes, pois é essencial acompanhar os novos hábitos, e os shoppings se tornaram parte da vida do nosso público”, diz Rogério Fasano.
Os analistas atribuem o fenômeno ao crescimento do mercado de luxo e de shoppings cada vez mais sofisticados, requerendo menus assinados por chefs de prestígio e, com eles, um novo perfil de clientes. “Trata-se de um público diferenciado, que não costuma frequentar as praças de alimentação, consideradas por eles barulhentas e com muita circulação, num espaço aberto e sem nenhum privilégio ou exclusividade. Essas pessoas querem encontrar o restaurante ou café que já conhecem e apreciam. E, além de um atendimento especial, fazem questão de circular e serem vistas sempre nos melhores lugares”, declara o consultor Adir Ribeiro, especializado em varejo e franchising.
Essa “massificação do luxo” gerou uma força centrípeta que atraiu ou está atraindo, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, marcas como Forneria San Paolo, Tre Bicchieri, Pobre Juan, Due Cuochi, Gero, Rodeio, Parigi, Rufinos, Barbacoa, Jardim de Napoli, Ritz, etc. Nesses novos espaços, as marcas se tornam um simulacro de si próprias, com cozinha mais simplificada, apoiada no que é sucesso nas matrizes. Contam, ainda, com o benefício do marketing dos shoppings e a afluência de público que vai além da sua clientela usual. É a emergência do fast-fashion em gastronomia, a exemplo do que ocorrera no território da moda por volta dos anos 2000. Muitos empreendimentos monotemáticos até conseguem pegar carona nessa onda, como é o caso das “brigadeirias”, “cup-cakerias”, “nutellerias” e assim por diante, como foi no passado a Casa do Pão de Queijo.
Os capitais, é claro, também se reorganizam nesse novo ciclo. Cada nova loja exige um investimento expressivo, de sorte que os antigos proprietários das marcas precisaram se associar a investidores capitalistas para constituir grupos profissionais de novo tipo. Surgem, então, autenticas organizações capitalistas, bem distintas em sua lógica financeira e em gestão daquele antigo modelo artesanal.
Mas se na Europa a formação de redes de restaurantes se deu pela agregação de várias unidades tradicionais “de rua”, que se mantiveram mais ou menos incólumes e sustentaram à frente chefs de projeção (Ducase, Georges Blanc, Antonio Carluccio, etc), aqui uma propriedade mais ou menos impessoal vai se projetando como gestora dos negócios em shoppings, ousando mesmo criar marcas novas para esses espaços exclusivos.
Esse movimento de vulgarização da gastronomia, contudo, não concorre com ela de modo frontal. Um público diferenciado, que abarca desde segmentos ultra-snobs até gastrônomos intelectualizados, continua a fornecer clientela para um tipo de restaurante mais experimental e “minimalista”, onde a pesquisa de ingredientes e inovações técnicas dão a tônica. Trata-se de uma espécie de “alta costura” culinária cuja vitalidade depende de mexer com os sonhos e fantasias das pessoas, oposta à standardização que as antigas marcas desenvolveram nos pisos dos shoppings, no estilo prêt-à-porter; afinal, nada mais interessa do Jardim de Napoles, para o grande público, do que seu surrado polpetone.
Houve, então, uma bifurcação de caminhos: a “rua” permaneceu como o terreno da “seleção natural”, o espaço no qual as marcas tem que se afirmar contra tudo e contra todos; os shoppings, o espaço de “conservação das espécies” vencedoras, agora sob condições controladas de “estufa”. E se considerarmos todo o esforço abortado pelos novos restaurantes de rua que não dão certo, têm-se a noção do imenso investimento para a produção de uma marca capaz de subir ao podium do shopping center.
Essa tendência durará até a saturação do mercado de shopping centers, quer dizer, por mais quatro ou cinco anos, que é o prazo de abertura de um numero expressivo deles nas principais capitais do país e nas cidades prósperas do interior. O resultado disso será a alegre sensação do consumidor de que nunca antes se respirou tanta “gastronomia” no país.
31/12/2011
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4 comentários:
Hannah Arendt falaria em "a banalização da alta gastronomia", hehehe.
...e iria comer noutro canto..rs
Dória, um bom ano de 2012 para todos nós!
E nestes votos incluo os votos de melhor saúde também a todos!
O que há de verdade é uma simples e inexorável máxima que sempre se revela. Maior quantidade, em geral se traduz em pior qualidade.
Eu particularmente DETESTO estas áreas destinadas à gastronomia em grandes shoppings.
Creio ser muito, muito difícil levar o conceito de alta gastronomia a um local como este, mas não impossível. A gastronomia precisa atingir a todos os públicos, SIM. Neste caso ela atende a uma parcela da clientela que busca novidades e até arremedos de alta gastronomia dentro de shoppings. Mas podemos ter sim, alta gastronomia em shoppings.
Mas nada substitui o prazer de adentrar um restaurante estrelado, num lugar único, exclusivo, que trate o cliente bem, muito bem, desde a reserva até o grand finale à mesa. Só que muitos destes locais ficam em ruas escuras, desprotegidas, em bairros distantes onde a volta é mais temerária que a ida!!!
Não vejo como novidade nenhuma o fato de algumas grifes da boa mesa estarem tentando sobreviver com empreendimentos em grandes shoppings. Acredito que o que se busca neste caso é aquela clientela perdida infelizmente assustada por constantes assaltos em nobres casas nas grandes cidades.
Muitas vezes perdemos a liberdade de escolher onde comer. Importa mais é que, após escolhermos comer num Fasano al Shopping e não al Mare, a qualidade da comida e do servico permaneca a mesma. Não creio que restaurateurs como Fasano permitam que um nome construído em cima de ótima reputacão e estrada, se perca em aventuras com franquias e culinária decadente em shoppings e mais shoppings. Os que teimarem em largar o trigo, verão que o joio os levarão ao abismo. O consumidor saberá filtrar!!
e os bons seguirão por muitos e muitos anos!!
Acho que existe uma vontade, principalmente por parte de empresarios, de "baratear o custo" do luxo, que o luxo seja reconhecido e aceito em marcas e conceitos vazios, que nada tem de exclusividade ou raridade.
O fato do restaurante estar dentro de um imovel milionario, e o cliente cercado de moveis e decoração caros, podendo escolher de um cardapio com um nome reconhecido, por si só justifica o preço e satisfação do cliente.
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