09/01/2012

Danuza Leão em Paris

A Folha de domingo trouxe crônica de Danuza Leão sobre comer em Paris. Tudo muito estranho diz ela, pois os seus lugares “bons” já foram bons; não são mais. O que aconteceu?

Pelo que ela apurou, os menus mudaram e se adaptaram a um outro modelo de produção, onde as coisas são elaboradas fora do restaurante: “Muitos deles aderiram à comida prêt-à-manger (pronta para comer). A coisa começa lá atrás: como os encargos sociais na França são muito altos, é normal, num restaurante tipo simples, um único garçom se encarregar do serviço de 30 pessoas: ele anota cada pedido (dois pratos por pessoa), se a carne é bem ou mal passada, o tipo de vinho etc”. No que diz respeito à comida, há empresas especializadas em fabricá-la: “porções são confeccionadas, colocadas em embalagens a vácuo, e às 5h da manhã o caminhão faz a entrega, que vai diretamente para o freezer. O dono do restaurante economiza no salário do chef, elimina as perdas, pois os pratos podem permanecer congelados por vários dias, e fica todo mundo feliz; quase todo mundo, aliás”.

É um libelo contra a estandardização mas é, também, um alerta contra as novas tecnologias aplicadas em larga escala, a partir de cozinhas centrais.

Não acho que haja muita diferença em fazer um confit de canard no bistro ou numa cozinha central, em escala bem maior; assim como um creme brûlée. Acredito também nas vantagens da técnica sous-vide, combinada com um procedimento perfeito de regeneração do prato no estabelecimento. O que é bem feito continuará bem feito, ou até melhor.

A centralização não é um mal, e já começou aqui. Com vantagens. Você já notou como melhoraram os sorvetes nos pequenos restaurantes? Agora, há fornecedores que fazem sorvetes “customizados”, com qualidade técnica superior àquela que normalmente se encontrava nos restaurantes. Esse é um caminho e uma solução para muitos problemas. Já constatei também que um bacalhau cozido a baixa temperatura dura bastante colocado sob vácuo, para ser regenerado até 10, 12 dias depois, sem perda alguma notável.

Acontece que o que é mal feito o será ainda em maior escala, como o que parece acontecer em Paris, conforme percepção de Danuza Leão. Sem dúvida os molhos elaborados por grandes empresas - como a Nestlé - descambam por um caminho perigoso, que é aquele da introdução de geleificantes, estabilizantes, espessantes (amidos) e glutamato. Isso realmente não presta. É uma base tradicional da cozinha francesa que degenerou, comprometendo o resultado final.
Pode-se imaginar que “nutellas”, leite condensado, leite em pó, mix industriais variados, passem a ser componentes sempre mais frequentes numa cozinha centralizada, difundindo uma qualidade duvidosa de forma ampla e rápida.

Dai o valor do artesanato e - no caso de Paris - do chamado “bistroismo”: o “verdadeiro bistro”, como já não se faz usualmente. Assim, em Paris, uma cidade tão centrada no comer, a boa cozinha não morre. Apenas muda de endereço.

E os grandes chefs, como Alain Ducasse, George Blanc e tantos outros, multiplicaram seus endereços, dando aval a grupos econômicos que compraram bistros tradicionais insuflando um novo sopro de vida. Por trás deles há também cozinhas centralizadas, mas que ainda fazem um culinária melhor do que aquela servida em aviões.

Um outro desvio - notado por um amigo muito assíduo aos bistros parisienses - é a influência notável da nova mão-de-obra das cozinhas: os paquistaneses. Sorrateiramente, a canela, o cravo e tantos outros aromatizantes vão se insinuando na culinária francesa, deitando cidadania onde antes predominava o classicismo.

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