21/09/2012

Campo Culinário e Campo Gastronômico I



Poderia ser apenas pedante distinguir entre “campo culinário” e “campo gastronômico” uma vez que a própria noção de campo (literário, por exemplo) não é uma coisa pacífica. Mas as categorias analítica são assim mesmo: se ajudam a compreender o mundo, valem; caso contrário, não - e que elas se dissolvam na vida real não é algo que deva nos preocupar.

Certamente o “campo culinário” pode ser traçado assim: conjunto e integração dos modos de cozinhar, interagir diante da comida e simboliza-la, conforme as sociedades praticam tudo isso para a resolução dos seus problemas alimentares. Mas há algo de arbitrário na noção de “campo” pois, para efeitos analíticos, separamos a alimentação, por exemplo, do campo religioso quando, na verdade, a “actual life” mistura tudo isso, ou melhor, vive isso como uma coisa só. E ai o analista começa a falar em “comida de santo”, etc, perdendo a noção da totalidade em que se integram.

Paradoxalmente, é bem mais fácil desenhar o “campo gastronômico”, apesar de o tomarem como assunto complexo, que exige especialização. Ao se apresentar como uma estratégia criteriosa de aproximação ao “campo culinário”, desenha-se como o campo delimitado pela totalidade dos discursos sobre o comer bem e, fundado nesse critério único, ganha autonomia. Ele é variável, segundo a história e as modas demonstram, mas esta ai, diante dos olhos de todos, nas revistas, jornais, blogs, twitter e instagram numa concretude avassaladora.

Especialmente o instagram, econômico em palavras, pressupõe, dos dois lados da comunicação, que a imagem é óbvia o suficiente para celebrar o bom e o belo. Que essa exibição esconda por trás uma experiência sensorial única é, aparentemente, secundário; afinal, o bom e o belo assumem a dimensão de um testemunho, mais do que um juízo estético. E é inegável que esse testemunho se torne, pouco a pouco, o fio condutor da experiência desejável daquele que “vê” sem estar “lá”. Os filtros de cor e luz melhoram o testemunho, segundo a sensibilidade de quem está ou esteve “lá” - o lugar qualquer da experiência só compartilhada por imagens. Assim, procede-se a uma abstração muito importante, pois o que é próprio do campo gastronômico é a sua autonomia, que prescinde das amarrações que os múltiplos sujeitos estabelecem entre o bom, o belo e o campo culinário. Na minha culinária doméstica, não existe esse “lá”, mas somente o “aqui”, e não deixa de ser uma demonstração de egoismo exibi-lo como um “lá” inacessível, pois a comida - e essa é uma velha reminiscência do passado - é algo a ser sempre partilhado. O campo gastronômico, porém, só admite a partilha simbólica, e só pode ser democrático quando aponta a equivalência entre todos: através do dinheiro. O “lá” pode se tornar um “aqui” na permuta infinita dos sujeitos conduzidos pelo dinheiro.

(segue)

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