24/09/2012

Campo Culinário e Campo Gastronômico III

O gourmet é uma espécie de fiel infiel, na infinita peregrinação por templos de diferentes seitas religiosas. Não prefere A nem B; apenas busca o êxtase. A própria fidelidade ao seu gosto original, formado em casa, aparece agora, aos seus olhos, como um anacronismo. E não espanta que, aos domingos, prefira o aconchego da comida materna: há o dia do repouso do guerreiro, pois a emoção gastronômica, por definição, nunca deixará de causar estranhamento e, às vezes, é preciso se re-conhecer. 

Do outro lado, o reconhecimento amplo do sucesso na estratégia de conduzir os sujeitos para o território do êxtase gastronômico coloca o chef na condição de uma espécie de sacerdote. Mas, qual o seu deus? Muito embora o seu movimento ative os negócios, produza dinheiro, ele não se permitirá diluir na banalidade do capitalismo. Possui sempre horizontes transcendentais que vão além da simples acumulação. É essa a sua aura e é preciso cuidar dela.

Se com o sucesso fica claro que o “poder gastronômico” fundamenta-se sobretudo no dinheiro, também contra isso deverá mobilizar suas energias. Os chefs não se sentem confortáveis sobre esse terreno porque eles mesmos ajudaram a vender o campo gastronômico como uma espécie de arte moderna e a arte, como sabemos ou queremos, é desinteressada. E surgem várias estratégias de  enraizamento ético do seu trabalho no interesse coletivo, no “social”. 

Gaston Acurio, o mais politizado dos chefs do momento, apresenta o seu oficio também como exercício de uma missão: dar oportunidades de trabalho a um exército de excluídos e (re)construir a identidade nacional. Outros, mais modestamente, se apresentam como promotores de uma “agricultura sustentável”, como revitalizadores de tradições à beira da morte ou, ainda, salvando queijos artesanais, mangaritos, baleias, atuns, bacalhau e tantos outros viventes ameaçados pela dinâmica do capitalismo. Outros ainda, abraçam a benemerência. Nunca se viu tanto jantar absurdamente caro que se justifica por beneficiar alguma instituição de caridade ou alguma causa circunstancialmente meritória. Seguindo o modelo das Ongs, chefs se tornam ongs encarnadas; por trás dos seus movimentos não raro se identifica um fio de “política pública”.

1 comentários:

Feraprumar disse...

sempre bom te ler, Dória

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