28/02/2013

Ser paulistano é estar entre comida boa e barata e comida de shopping center


Comida trás na capa duas matérias: um texto de Alexandra Forbes procurando traçar uma dinastia de cozinheiros derivada do Noma e um outro, de Luiza Fecarotta e Marilia Miragaia, sobre o consumo de carne de cavalo.
Forbes, sempre ocupada com o “topo da gastronomia mundial”, mostra uma geração de chefs que, a partir de Copenhague e Estocolmo, colocam em evidencia “ingredientes antes desvalorizados, como ovas de peixe, tubérculos e ervas selvagens, apresentados sem disfarces”. Para ela, Redzepi “forjou uma nova linguagem”. 

Creio que os ingredientes utilizados por Redzepi pouco importam diante da “filosofia” que expressa: o “locavorismo”. À volta, sempre há coisas boas de se comer. Basta saber olhar, especialmente para aqueles que só sabem ver coisas imaginárias e utópicas, como “cozinha mediterrânea”. E a Dinamarca também era vítima dessa visagem, segundo matéria de Josimar Melo, discutindo a viabilidade do locavorismo em cidades como São Paulo. 

Não sou pessimista como Josimar, pois há muita coisa nova, comestível, a menos de 100 kms da Capital. São infinitas as plantas alimentícias não-convencionais. Só na região de Porto Alegre um pesquisador - Valdely Kinupp - descobriu mais de 60 espécies! São Paulo também tem seus “segredos” como Neide Rigo, pedagogicamente, busca mostrar. 

E há artesanatos desprezados também, como a farinha de milho feita pertinho de São Paulo - cidade que, ainda, acha chic comer cuscuz marroquino. Enfim, sem se auto-educarem os cozinheiros jamais saberão olhar à volta. Não conseguem sequer sintonia com “frutas da estação”. Você já comeu jabuticaba em algum restaurante? Sorvete de cambuci? Mas é olhando para fora que esses chefs aprendem a olhar para dentro. Um método tortuoso, mas vamos dar tempo ao tempo, pois, pela regra da imitação, eles chegarão lá (aqui).

A matéria sobre carne de cavalo pega carona na recente crise européia. Acrescenta nada de muito útil, exceto mostrar que, no mundo, muita gente come carne de cavalo. Chamam a carne de “controversa”, o que não é verdade. Ou se come ou não se come, conforme os costumes. E a “controvérsia” foi sobre induzir pessoas a comerem sem saber. Mas na matéria não há uma palavra sobre a quebra de confiança na indústria, que enganou todo mundo, nem que a carne de cavalo utilizada revelou-se imprópria para consumo humano (contaminada).

Boa matéria a de André Barcinski, que mostra o nascimento de um polo de cozinha peruana popular no centro da cidade (ruas Aurora, Guaianases e Avenida Rio Branco). Bom e barato, diz ele. Mas o jornal, que quer inaugurar justamente uma seção “Bom e Barato”, em vez de embarcar na “descoberta” do seu colunista, prefere estrear indicando dois restaurantes nessa categoria...na Alameda Lorena. O cachimbo, a boca torta.

Na mesma linha do “bom e barato” (não sei o que deu no Comida, mas é uma boa diretriz), Alexandra Corvo indica quatro vinhos de supermercados, partindo de R$17,90.

Outra notícia editorial: o site do Comida lança canal de videos com receitas e entrevistas. Por acaso o jornal dá o endereço do site? Não, não dá na matéria, mas escondido na página 2. Em outro local remete o leitor para um video sobre comida de rua, de Beto Brant, e outro, sobre a mandioca amarela, produção da FAPESP com aparição de Helena Rizzo. É preciso ler o jornal com espírito de investigador.

Paladar resolveu se dedicar, na capa, à analise de uma tendência que já abordamos aqui há mais de um ano: a “shoppinização” dos restaurantes de rua. É o movimento de ir atrás do dinheiro, abandonando as ruas, os espaços públicos, ao deus-dará. E também de “falta de ambição gastronômica”, como diz Luiz Américo na sua resenha sobre o Sottovento. Mas São Paulo é uma cidade assim: dane-se o que é público, dane-se a perspectiva do “melhor”. Segurança, onde estacionar o carro, ar condicionado. Esse são os valores que movem a grana, encarnada em roupas de grife ou croquetes de carne. Por isso prefiro mil vezes os chefs na rua. 

Notícias sobre novidades. O dono do Bacio di Latte vai abrir uma casa “só de panini”. Desconfio que sejam sanduíches, mas é inegável que o paulistano anda encantado com o uso cotidiano do idioma italiano e, de quebra, com as prestidigitações desse senhor no campo dos sorvetes. Por falar em italiano, reabre o Mangiare, prematuramente “renovado” sem ter envelhecido. O culto à novidade às vezes impõe investimentos cuja razão aparente nós, comuns dos mortais, não alcançamos.









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