14/03/2013

O caro pra chuchu e outras abobrinhas baratas


Muito oportuno o tema de capa do Comida, em matéria assinada por Zeca Camargo: é muito caro comer em São Paulo. Um tema ao qual o leitor certamente é sensível: o bolso. Pode-se comparar com Paris, Barcelona ou Nova Iorque, segundo os hábitos de pequenos-burgueses viajados, ou simplesmente parar e refletir: “vale o quanto pesa”?, ou seja, sentimos que a satisfação, como em qualquer parte do mundo, é proporcional ao dispêndio? E a resposta tem sido, invariavelmente, não!

Recentemente a revista saopaulo publicou matéria com jovens que gastam mais de 50% do que ganham com comidinhas que acham bacanas. Tipicamente excesso de grana, combinado com falta de cultura gastronomica mas muita leitura do oba-oba da imprensa especializada + os descolados do instagram. Isso tudo gera jovens gastrovictims.

A cidade reflete essa cultura alimentar em seus restaurantes, pois os consumidores acham bacana pudim de leite condensado, crepe de nutella, brigadeiro de colher, atum com crosta de gergelim, costelinha “suina” a “baixa temperatura” e outras coisas que vão se tornando novas vulgaridades, criando uma ponte entre o desconhecido para os gastrovictims e o manjado de suas casas. Além disso, é gente que não se importa com improvisações do serviço de salão, desde que feitas por bacaninhas. 

São coisas em geral caras para o que “entregam”, mas, como diz acertadamente Zeca Camargo, “o problema está em quem paga por elas”. E, poderíamos acrescentar: também em quem acha que surfar essa onda é a coisa mais esperta do mundo.

Por outro lado, “os de baixo” também sobem. Um dono de padaria me disse na semana passada que precisou fechar seu delivery noturno de pizza por não encontrar pizzaiolo. Tem mais gente comendo pizza do que a capacidade de se formar profissionais do ramo. Não por acaso, Gula traz na capa a “Pizza do Faustão”. Êta domingão bravo!

Josimar Melo mostra que restaurantes acompanham o alto custo de vida na cidade. Como tese geral é verdade, mas muitos donos de restaurante fazem escolhas que encarecem os serviços, o que é de exclusiva responsabilidade deles. 

Todos sabem, por exemplo, da bela solução de restauração que é o Così, na rua Barão de Tatui, off-broadway. Mas não é que Renato Carioni foi se meter na rua Jacques Felix, na Vila Nova Conceição? E, após dois anos, o restaurante fechou no último 7 de março. Montamos o restaurante com empréstimos bancários e essa dívida acabou virando uma bola de neve. Se tivéssemos mais recursos, insistiríamos um pouco mais”, declarou um sócio.

De fato, trabalhar para bancos e para uma alta burguesia que consome, a cada garfada, comida temperada com status, pode não ser uma boa. A ilusão cobra seu preço. O Eñe está a venda, o Nicota fechou, o Lola Bistrot também, assim como tantos outros. E outros mais virão. Alguns, já fecharam para uma refeição. Fechamento  em prestações. Poucos são capazes de interpretar os desejos dessa alta burguesia espectral, que atrai chefs e investidores com seu canto de sereia. Marcelo Fernandes, Alex Atala e poucos mais sabem das coisas; os demais nem desconfiam.

Digamos que o mercado de restaurantes de gente capaz de pagar mais de R$100 por pessoa tem seu limite e talvez o estejamos atingindo. Isso não quer dizer que a atividade em geral vá mal. Nem que o “alto custo de vida da cidade” nos impeça de sair de casa para o prazer - raro - de comer fora. 

Como registra Josimar, “uma nova geração de chefs e proprietários, sem recursos para instalações sofisticadas, opta pela simplicidade”. E, complementarmente, clientes já exauridos na busca optam por comer em casa, com novo charme, suprindo-se em pequenos artesanatos como Deli Garage . 

A ciência está em construir múltiplas propostas para esse exército de gente que diz basta a um modelo de restauração com prazo de validade já vencido. E, claro, evitar aqueles caminhos que fazem da “casa” não o acolhimento, mas o cenário para outros passos na espiral de preços altos, como parece ser o modelo do Chez Ayris, resenhado hoje por Luiz Américo no Paladar.

Acho que o velho Così (da Barão de Tatui), como o recente Jiquitaia, estão explorando a linha promissora indicada por Josimar, assim como o já veterano Mocotó. São lugares onde se come de bem a muito bem, com serviço atencioso, sem que sejamos escalpelados. 

O segredo está no corpo-a-corpo que os proprietários travam diariamente com os problemas da atividade. Não delegam, não mandam dizer. Estão ali, de peito aberto e lendo na cara dos clientes as sensações que provocam. Haverá algo mais eficaz como crítica do que gestos indizíveis dos clientes? Os futuros empreendedores deveriam meditar sobre como essas casas são possíveis, em vez de simplesmente pedir a um corretor imobiliário que ache uma “barbada” nos ditos Jardins, supondo-a a chave do sucesso.

Complementam a matéria de capa, pequenas notas de Alexandra Forbes, Alexandra Corvo, André Barcinski e Naief Haddad que dão conta de lugares onde o que se come não vale o preço. Curiosas respostas dos proprietários das casas visitadas. 

O dono do Paris 6, por exemplo, responde à critica lembrando que a casa “recebe 17 mil clientes/mês”, como quem diz: “o senhor é um implicante que não entende nada. Os cães ladram e a caravana passa”! Outro, do Maremonti, diz para o cliente “não hesitar em chamar a equipe quando houver qualquer problema”. Parece atencioso, mas de verdade quer dizer que o problema está no cliente que não sabe “reclamar os seus direitos”. São pessoas que vieram ao mundo não para serem criticadas, mas incensadas.

Na minha opinião, há muita coisa - no preço e nos serviços - que os donos de restaurante podem, sim, administrar, melhorando a relação com a qualidade. Quando se confia no próprio taco culinário, não é preciso encarapitar o restaurante onde os aluguéis são os mais altos da cidade; e não é preciso ter hostess, sommelier, manobrista em toda parte. Gastronomia não é o mesmo que engraxar sapatos e não se cata cliente na rua. Eles vão atrás de coisas sedutoras, mesmo que distantes.

Às vezes há estacionamentos perto, ou mesmo zona azul - mas está lá o “armário” que funciona como manobrista! Modestas cartas de vinho não ficam melhores porque o sommelier está lhe indicando o óbvio (em geral lhe aborrecendo antes mesmo de você escolher o que vai comer). Não é preciso uma mocinha bonita para abrir a porta. Na Europa, ela confere o livro de reservas e o conduz à mesa já arrumada. Aqui, só se aceita reserva para os horários nos quais não há movimento, reduzindo as mocinhas a porteiras de luxo.

Assim, ao frequentar essas casas hoje pagamos pelo que não precisamos. E há, ainda o serviço de água, o couvert abusivo, etc etc. É  possível sentar-se à mesa já tendo gasto R$ 30 sem sequer ter pedido o prato. Mas também é possível para o chef acordar cedo e fazer compras mais baratas, melhorando os lucros e preço das mercadorias vendidas. 

Enfim, há caminhos a trilhar, mas é preciso focar um outro tipo de cliente que não aqueles jovenzinhos que fazem seu potlatch pessoal, entregando metade do que ganham aos caça-níqueis culinários; ou mesmo a elite caipira, que gosta de se imaginar em Paris, Miami, Milão ou no Noma. Por outro lado, o boom das comidinhas de rua, das ditas “feirinhas gastronomicas”, mostra como há gente receptiva para soluções baratas e simplificadas.

Acho que já escrevi demais para aborrecer o leitor com a análise do Paladar. Mesmo assim, não deixe de conferir a matéria de capa, assinada por Cíntia Bertolino, que é um breve estudo antropológico do comer com a mão. Percorre desde o mau uso do hashi até o hábito indígena de arremessar farinha para dentro da boca.




3 comentários:

Gabriela disse...

Excelentes considerações!

Alfredo Eb disse...

Escreveste na justa medida. Como sempre, aliás.

Breno Raigorodsky disse...

O problema maior já foi apontado sabiamente: reclama dos preços gente que não é competente para continuar pagando o que se cobra.
Ou seja, reclama que acha que é cliente mas não é.
O cliente de verdade na São Paulo de hoje é a massa de mais de 6 milhões de participantes das feiras internacionais que passam pela cidade ao ano. Este é o principal público para rodízios de carne que servem uma cauda de lagosta grelhada por consumidor, mesmo que o foco da casa seja a carne churrasqueada...
Não defendo não, só para registro. Sou daqueles que há muito não tem dinheiro para acompanhar o sobe-e-desce dos novos restaurantes. Apenas entendo que isso não é comida, não arte, não é propriedade de ninguém.
É a vilha relação entre a oferta e a demanda.

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