10/06/2013

A cozinha doméstica como desperdício


Curiosa a tensão moderna que a indústria e o artesanato comercial criaram em relação à cozinha doméstica. Muitos produtos industriais foram criados com o propósito declarado de “facilitar a vida doméstica” de uma mulher que vinha se posicionando no mercado de trabalho e, por isso, abandonando a cozinha.

Para o artesanato, acontecia o mesmo. Coisas simples, que as donas de casa sabiam fazer, foram sendo produzidas fora de casa, onde ingressavam agora como “soluções prontas” para problemas que quase inexistiam. Me lembro, por exemplo, de uma época em que o simples creme chantilly era vendido por doceiras, em potes de cartolina parafinada, embora em todas as casas houvesse batedeiras elétricas e não fosse difícil encontrar creme de leite. A rotisserie Bologna, na rua Augusta, se notabilizou pelo frango assado dominical. 

O caso extremo foi o próprio leite condensado. A produção de pudim de leite em nada foi “simplificada”, apenas se aceitou - até por conta do marketing intenso - que a participação de um produto industrial (vale dizer, mais açúcar e menos ovos) dava um resultado melhor. O mesmo para a maionese, cuja dificuldade de emulsionamento foi facilmente substituído pela facilidade de se abrir um pote cheio de conservantes, com a “vantagem” de se poder estocar e lambusar toda sorte de alimentos com ela.

Patês, antes feitos de forma simples em liquidificador, assim como ricotas - cujo leite coagula com a simples adição de limão ou salamargo (sulfato de magnésio, vendido em farmácias), desapareceram e se tornaram produtos de delicatessen. Assim se firmou, em boa medida, a Casa Sta Luzia. Assim surgiram personagens da restauração, como Charlô.



Isso para não falar dos bolos. Bolos simples, que todos sabiam fazer, inclusive variando de sabores, se tornaram um “mistério” que as receitas, divulgadas pela web, bem mostram que se trata, sempre, de uma mesma coisa.

A “analfabetização” culinária é um produto dos tempos modernos. Até mesmo instrumentos domésticos simples foram colocados de lado diante do avanço da indústria sobre as cozinhas “das mães e das avós”. A batedeira e o liquidificador, por exemplo. E é curioso como as suas funções ressurgem, em linguagem ultra-moderna, dentro do Thermomix - sonho de consumo dos neo-cozinheiros. Isso sem falar do forno microondas - só para lembrar os principais. 

Há muita oferta de cursos de culinária para gente que quer cozinhar em casa. Ensinam cardápios completos que, se bem sucedidos, perpetuam a dependência dos clientes. Quererão mais e mais cursos... Já é hora de alguém apostar na independência dessas pessoas, ensinando o uso amplo das tecnologias domésticas: emulsões, pães e bolos, assados etc, feitos no que é comum nas cozinhas tradicionais. 

O antigo conceito de “dona de casa” significava, basicamente, o domínio da cozinha. Dona ou dono de casa, há sempre um comodo na casa cuja ociosidade  representa um investimento caro numa cidade onde o preço do m2 construído atinge os níveis mais altos da história. 

2 comentários:

Sandro (Um Litro de Letras) disse...

Dória, comentei no blog esses dias sobre o fazer/não fazer bolo. Há um lado interessante da história: meu grande professor hoje, para fugir desses cursos temáticos, é o Youtube. Você encontra aula de qualquer técnica. O texto sobre os bolos está aqui: http://umlitrodeletras.wordpress.com/2013/05/14/fogao-smart-assa-bolo-sozinho/

e-BocaLivre disse...

Sandro, o YouTube é mesmo o chão da culinária doméstica. Qualquer coisa se encontra ali, explicadinha em imagens para quem as prefere em vez de palavras.

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