07/06/2013

A luta por palavras


Uma das coisas mais fascinantes no estudo da gastronomia é prestar atenção em como as palavras são utilizadas. Sem dispor de um corpo conceitual muito claramente definido, o ambito das conotações é enorme.
Isso acontece com o próprio termo “gastronomia”. O que é gastronomia? Temos mais ou menos estabelecido de que se trata de um discurso sobre a culinária, especialmente o discurso que destaca as qualidades gustativas através de uma atividade comparativa. Tal coisa é melhor que, tal coisa é mais bem feita e assim por diante. Assim evolui o gosto e, através da aceitação prática dos padrões tidos como mais elevados, evolui a própria culinária. "Como prova a gastronomia (...) um prazer que parece apenas fisiológico pode se tornar categoria estética. Uma posta de atum vira experiência cultural por meio do discurso, que por sua vez se baseia na história, vivência, conhecimento técnico" - lembra Michel Laub na sua coluna de hoje na Folha.
Pois não foi o que observei no Congresso Internacional de Gastronomia e Ciência de Alimentos, realizado em Fortaleza entre os dias 03 e 05 de junho. A gastronomia, nas universidades federais, é ainda prisioneira de outras áreas do conhecimento: nutrição, engenharia de alimentos, saúde, etc. A consequência é que seu sentido é reduzido ao aparato conceitual dessas disciplinas, transformando-se numa palavra que serve para designar o conjunto da culinária, seus aspectos nutritivos e dai por diante. 

A capacidade de se impor demandará ainda, da gastronomia, um longo percurso onde deverá se processar aquilo que na web se designa  “desambiguação”. Clareza conceitual, delimitação de objetos, estabelecimento de fronteiras. Sem isso, continuará ela subsumida na “ciência de alimentos”, seja lá o que se entenda por isso, que também não é um campo conceitual simples.

2 comentários:

Anônimo disse...

Acredito que estamos iniciando a delimitar esses objetivos que compreendem a Gastronomia. É verdade que tudo é novo quando se fala de gastronomia e ciência. Daí entendo o questionamento "O que é Gastronomia?". Entretanto, a mesma na sua história acadêmica também surgiu dentro de um debate fechado, prisioneira daquilo que se pensa em "apenas apreciar", "discutir gostos" e, finalmente, vem crescendo e começando a ser aprofundada dentro dos demais universos temáticos que a abrange, rompendo a monotonia das discussões isoladas sobre a cultura e gastronomia. Como a mesma é feita/construida/embasada por alimentos, é válido e é necessário também fazer jus a ciência dos mesmos, entender como os vegetais e os insumos de origem animal se comportam quando transformados por meio de técnicas culturais, milenares, simplórias e regionais. Entender como ela modifica ou pode modificar politicamente uma região. Então, podemos abrir a mente e ver a gastronomia como uma universo abrangente e não somente pragmático a um foco apenas!
Profa. da UFC.

e-BocaLivre disse...

Cara professora da UFC, evidentemente estou falando da compartimentalização acadêmica, não do processo real onde tudo é "misturado". Mas, no plano acadêmico, se não considerarmos a autonomia do discurso gastronômico nunca chegaremos ao seu bom entendimento. Até mesmo a separação discursiva do aspecto nutricional, tão em voga, deixa de ser compreensível para uma "sociologia da alimentação", conforme fazem estudiosos como Jean-Pierre Poulain ou Claude Fischler. grato.

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