16/06/2013

O Brasil na "cozinha internacional"



Trechos do meu artigo publicado na revista Menu, de junho de 2013, nas bancas. 

É artigo sobre reflexos da culinária brasileira na culinária européia do último quartel do século 19 e primeira metade do 20, integrando o repertório “internacional” dos chefs europeus.

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A história registra, sob vários ângulos, a estada de Pedro II em Lisboa, quando de sua viagem à Europa no dramático ano de 1871 (Comuna de Paris). Desde o jornal As Farpas, que o louvava - “quantos reis não invejariam o estranho prazer deste monarca que, abancado a uma table d´hôtel, larga das mãos as rédeas do governo para receber um palito de um estudante em férias, e passar a mostarda a um commis en nouveauté!” -  até  as páginas do diário íntimo de sua amante, a Condessa de Barral, horrorizada com suas maneiras toscas, as unhas sujas, comendo com a faca e cultivando o desagradável hábito de bater nas costas dos interlocutores. 

Mas memorável mesmo foi o jantar em sua homenagem, elaborado por João da Matta, o mais célebre cozinheiro português à época, seguidor de Carème que, no claro processo de afrancesamento da cozinha portuguesa, mantinha o Hotel João da Matta, no Chiado, e o Grand Hotel du Matta no Palácio do Calhariz, onde se hospedara d. Pedro II e a princesa Isabel. João da Mata criou para o imperador um prato que imortalizou no seu Arte de cozinha (1876): a Bomba de neve à brasileira.

Posteriormente, João da Mata veio a preparar, para Alexandre Herculano e o poeta Gonçalves Dias, um prato mais simples, de quiabos com pimenta, de sabor tão ardente que colocou "a boca pelos ares", segundo a cronica. Mas seu livro traz outras receitas igualmente calcadas na sua ideia de Brasil. Na Arte de cozinha encontramos: Pudim à brasileira; Pirão escaldado de farinha de pau à brasileira (para carne); Pudim de pão à brasileira; Basófias cozidas à brasileira; Pastelinhos de tapioca.

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Vale registrar que a tapioca é das coisas brasileiras mais apreciadas na cozinha francesa. Há várias menções à sua utlização como espessante. E Escoffier, no capítulo dos puddings, sugere um de tapioca com o nome de brésilien, em forma caramelizada, além de oferecer uma segunda receita de pudding au tapioca, que não leva a designação “brasileiro” - sendo este de elaboração um pouco mais complexa e acompanhado por sauce anglaise ou sabayon.

Fernand Point, o grande chefe celebrado como o verdadeiro precursor da nouvelle cuisine, também deixou registrado em seu Ma cuisine, obra póstuma publicada em 1969,  o seu pudding au tapioca: meio litro de leite com 100 grs de açúcar e 100 gr de tapioca grossa. Levar ao fogo para cozinhar, colocar numa forma inglesa e levar ao forno, salpicado de açúcar para dourar. Simples assim (como na foto a seguir).


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São exemplos colhidos aqui e ali, sem preocupação de esgotar o assunto, mas suficientes para mostrar que a gastronomia não é movimento de mão única, e que as trocas sempre ocorrem, chegando a inscrever pratos de referência clara mesmo na Alta Cozinha - como Escoffier costumava designar o conjunto de receitas que elencou no seu Le guide culinaire. Num período no qual o mundo todo copiava a cozinha francesa como modelo de excelência os seus expoentes compreendiam que ali nascia também a “cozinha internacional”, necessitada, portanto, de trânsito entre paladares do mundo todo. O Brasil estava na sua rota.

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