27/07/2013

A beleza que põe a mesa


As porcelanas haviam sido objetos com valor próprio à mesa desde muitos séculos. Eram um atrativo em si, símbolo de status, de refinamento cultural, item importantíssimo das chamadas artes decorativas. As porcelas chinesas, as de Sèvres, a Vista Alegre portuguesa e tantas outras espalhadas pelos países europeus correspondiam às formas elegantes de vestir a mesa. 

No livro erudito de Gualtieri Marchesi e Luca Vercelloni (A mesa posta. História estética da cozinha, São Paulo, Senac, 2010) a dupla de autores persegue a história do aspecto construtivo à mesa, a cenografia do alimento, até chegar à plástica dos pratos, adotada pela primeira vez quando – nos anos 1970 - os irmãos Troisgros e, depois, Michel Guérard, fizeram a comida sair “empratada” da cozinha, criando um novo vínculo direto entre o chef e o seu cliente. A partir de então, além dos sabores, a aparência dos pratos passou a formar o juízo sobre o belo em culinária. Foi uma ruptura enorme com os padrões anteriores de serviço e com o que se esperava dos cozinheiros.

É possível, desde então, traçar duas linhas evolutivas: a do arranjo da comida no prato e a do objeto-prato propriamente dita. A primeira, depois de muitas vicissitudes, encontra-se agora estabilizada numa construção piramidal que ocupa o centro do prato: tudo é arranjado de maneira “gótica” como se o alimento buscasse o céu. Os pratos, ao contrário, sofreram inúmeras mutações e não alcançaram ainda uma nova forma estável. Experimenta-se materiais diversos, formas insólitas e assim por diante.



É provável que a “descontrução” do prato, isto é, do suporte, tenha sido elemento importante na afirmação estética da proposta gastronomica da escola de Ferran Adrià. Todos os limites eram limites a serem rompidos. As idéias de oposições, de filières, que presidiam a construção gustativa exigiam superfícies menos delimitadas do que a circularidade restrita do prato. 

Assim, com o tempo, surge o “anti-prato”, o desdém pelo continente como forma de destaque do conteúdo: qualquer superfície, mesmo que não concebida para essa função, servia para a apresentação do arranjo da comida. Placas de vidro, de ardósia, de espelho, de madeira, formas inéditas de porcelana - tudo era visto como suficientemente original para sustentar pratos que pretendiam ter rompido a barreira da culinária convencional.

Mas no terreno onde a novidade é um valor impositivo tudo perde sua força na medida em que se estabiliza. Nada mais vulgar, hoje, do que as placas de ardósia e seus similares. Nada mais benvindo do que o prato tradicional de porcelana. Enfim, parece que um ciclo de inovação chegou ao seu término. 



O que esse movimento deixou atrás de si? Se olharmos pelo lado positivo, um certo esforço da indústria cerâmica para oferecer novos desenhos de pratos, muito deles bastante elegantes. Ou esforços de extrair formas da própria natureza, como é feito sistematicamente, entre nós, pela Cerâmica Muriqui.


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