09/08/2013

A "Independência" do queijo de leite cru e o tiro no pé dos mineiros



(IIº Ato de um mesmo drama)


O governador Anastasia, um profeta, disse na cerimonia de assinatura da Instrução Normativa que a imprensa leu como a ”Independência” do queijo de leite cru: “assim como o colesterol, existem os bons e maus burocratas”. Ele sabe do que fala, pois bons burocratas-legisladores são aqueles cujas manhas permitem escrever torto por linhas retas. Renovar bobagens, dando-lhes ares de ineditismo.  Mas a minuta da Instrução Normativa nº 30, de 7 de agosto de 2013 não foi distribuída no ato, de modo a ser apenas conhecida quando saiu publicada no Diário Oficial de 08 de agosto de 2013. 

O que ela reza? Faz uma promessa: Art. 1º - Permitir que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 (sessenta) dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não compromete a qualidade e a inocuidade do produto” (grifos nossos). Isso quer dizer, que ainda não é permitido. Depende de estudos que não estabelece nem como, nem quando serão feitos. Muito menos por quem. Diz ainda que: § 1º A definição de novo período de maturação dos queijos artesanais será realizada após a avaliação dos estudos pelo órgão estadual e/ou municipal de inspeção industrial e sanitária reconhecido pelo Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal - SISBI/POA”.

Em poucas palavras, o que a portaria diz é que as competências do DIPOA passaram para os organismos do Sistema Brasileiro de Inspeção, criado no final do governo Lula. O que ele fez foi descentralizar execuções das normas federais. E não poderia ser diferente, pois os entes federados (Estados e Municípios), não podem relaxar as exigências da legislação federal. Podem ser mais rigorosos, nunca menos.

Uma  norma sem clareza, se vê. Pois o que é preciso é autorizar a comercialização, não a produção - que não é da conta do Ministério, se não for comercializada. Depois, atrela a autorização de comercialização a estudos a serem feitos. 

Mas se eles a proíbem há tanto tempo deveriam dispor de estudos que fundamentassem a proibição. Mas não. E não dizem quando tais estudos serão feitos, como já observado. No mais, diz coisas mais do que conhecidas e em vigor, sobre sanidade animal obrigatória, tratamento de água, etc.

Muito bem. E a Instrução Normativa REVOGA outra instrução normativa: a de Nº 57, de 15 de dezembro de 2011. E o que dizia essa normativa, agora letra morta? EXATAMENTE A MESMA COISA! A única novidade é que quem avaliará os estudos - que não existem e nem se sabe se existirão - serão estados e municípios que pertençam ao Sisbi/POA, não mais o Ministério da Agricultura. É o que Lula preconizou.

Em palavras simples: aquilo que o Ministério devia ter feito e não fez, agora passou para os estados e municípios avaliarem quando estiver feito. O Ministério passou a batata quente para outras mãos.

Mas municipios, como o de São Roque de Minas, podem fazer esses estudos? Não acredito. Choverão universidades oferecendo-os a esse novo mercado? Mas as bactérias que eram perigosíssimas para o governo federal serão atenuadas ao se municipalizarem?

Seria interessante sabermos duas coisas: 1º - por que o Ministério não fez esses estudos que julga cruciais? 2º - o que exatamente se irá estudar? Afinal, qual o “estado da arte”? Estudos internacionais existe às pampas. Por que as bactérias que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá? São de outras cepas? Quais? Mais perigosas? Coliformes fecais dos franceses são melhores que os das as fezes dos brasileiros, visto que as autoridades sanitárias de lá consideram aceitáveis numero superior dos mesmos? 

Burocratas brasileiros, ultra-higienistas, teimam em procurar todo tipo de patógenos e toxinas no queijo, enquanto o Regulamento da União Européia para o queijo de leite cru exige apenas o teste de Estafilococo coagulase positivos, tolerado num parâmetro dez vezes superior (10.0000 ufc/g). No Brasil, os critérios obrigatórios incluem Listeriamonocytogenes, Salmonella, Staphylococcus aureus e Escherichia coli. 

Na Europa o pre-dipping (ato de desinfetar com iodo ou outros desinfetantes a teta da vaca) não é obrigatório. Pelo contrário, algumas AOCs, como o Beaufort, não permitem essa limpeza, pois remove das tetas bactérias importantes que dão sabor àquele queijo. No Brasil dos burocratas limpinhos é obrigatório.

Então, quando a normativa fala em “estudos técnico-cientificos” talvez queira dizer que, finalmente, burocratas preguiçosos irão estudar! Lerão estudos científicos que abundam no mundo, meditarão  e revogarão toda sorte de bobagens que, com prepotência, erigiram em barreiras a separar o queijo de leite cru do mercado.

Dado esse quadro, o que mudou com a nova Instrução Normativa? Trata-se de muito barulho para nada. Os mineiros parecem ter gostado da “autonomia conquistada”, embora não passe de um tiro no pé. 

10 comentários:

Braga Picardi disse...

Está enganado, já existem estudos consistentes e aprovados pelo IMA, os queijos do Serro por exemplo podem ser comercializados com 17 dias e os da canastra com 22 dias...e a aplicação é imediata.

lian disse...

99% do mercado compra nosso queijo com menos de 7 dias. 99% do mercado permanecerá ilegal?

e-BocaLivre disse...

Braga, melhor estar enganado do que se deixar enganar. Gostaria de saber: 1 - por que a instrução normativa fala no futuro e no condicional?; 2 - quais são tais estudos e onde posso encontra-los (as referencias bibliográficas)?

e-BocaLivre disse...

Lian, sim. Esse nao parece ser "patrimônio". Apenas modo de vida

Anônimo disse...

Finalmente teremos queijos minas maturados e não aquelas aberrações aguadas, sem sabor, que são contrabandeadas para SP. Parabéns Alexandre Honorato! levando o sabor de Araxá para o Brasil.

http://m.g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2013/08/queijaria-individual-de-araxa-mg-e-primeira-da-regiao-registrada-no-sisbi.html

Anônimo disse...

Belo exemplo desse produtor de Araxá. Prova que com vontade e trabalho tudo se conquista... Primeiro produtor artesanal de queijos de leite cru que consegue vender sua produção legalmente para outros estados.
A dúvida desse post então foi respondida. Os “estudos técnico-científicos” são os mesmos que embasaram a legislação estadual em 2002, creio que realizados pela UFV. Parabéns aos mineiros.

e-BocaLivre disse...

Anonimo, acho que você está enganado sobre "estudos técnicos-científicos". Eles serão feitos ainda, não se sabe quando nem como. É o que diz a Instrução Normativa.

Anônimo disse...

Para esclarecer, os tais "estudos técnicos-científicos" já foram reconhecidos pelo IMA-MG (pelo menos para as regiões do Serro, da Canastra, do Cerrado, de Araxá e do Campo das Vertentes. Vide Portaria IMA 1.305, de 30.04.2013 (curiosidade: publicada antes da nova IN do MAPA).
http://www.ima.mg.gov.br/material-curso-cfo-cfoc/doc_details/1159-portaria-1305
Ou seja, o produtor Alexandre Honorato, de Araxá, já obteve o registro no SISBI/POA e pode comercializar legalmente seus produtos com outros estados.
Quanto ao tempo verbal do referido artigo, deve-se atentar para o fato de que a IN em nomento algum fala de queijo minas, mas de "queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru". Assim, a IN abrange qualquer queijo tradicional, desde que embasado em "estudos" especícos, existentes ou não, para a sua região.
Espero ter ajudado!

e-BocaLivre disse...

Anonimo, vou analisar essa portaria em detalhe. É interessante. Mas, ao contrario da sua percepção, ela fala sim de queijo minas artesanal. Seu titulo inclusive: ESTABELECE DIRETRIZES PARA A PRODUÇÃO DO QUEIJO MINAS ARTESANAL.

Anônimo disse...

Realmente Dória, a portaria do IMA-MG é sobre o queijo minas artesanal, mas eu me referia a IN nº 30, do MAPA, essa sim refere-se a qualquer queijo tradicionalmente produzido com leite cru, seja em MG, RS ou RR. O fato curioso é que a portaria do IMA foi publicada antes da IN do MAPA (embora os dois órgãos já venham negociando desde o ano passado).

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