15/08/2013

Culinária de panelinhas


Paladar aposta sua capa na cachaça. O mote é um “mapa da cachaça” que está sendo organizado por uma dupla de empresários de olho na Copa. 

Os nacionalistas acham a cachaça completamente distinta do rum. Até conseguiram registrar o nome internacionalmente, o que permite ingressar no mercado norte-americano com selo próprio. 
Diz a matéria, assinada por Cintia Bertolino: “aguardente de cana é um destilado feito com mosto fermentado de cana-de-açúcar ou destilado simples de cana-de-açúcar com graduação alcoólica entre 38% e 54%. Cachaça é produzida unicamente no Brasil, feita com mosto fresco fermentado obtido do caldo de cana-de-açúcar e tem graduação alcoólica entre 38% e 48%. E o rum? Rum não tem nada a ver com essa história. Embora seja parente da cachaça, é feito com melaço da cana fermentado e destilado”. 
O rum do Brasil é expressão que existe desde os tempos coloniais, quando surgiu como moeda para escambo por negros na África.  E é impossível distinguir rum e cachaça modernos do ponto de vista químico, parta-se do mosto ou do melaço. A faixa alcoólica entre 38-48% foi estabelecida muito recentemente, nada tendo a ver com a "tradição". E depois da destilação, é tudo a mesma coisa. A diferenciação é apenas cultural e, materialmente, começa a se construir a partir do envelhecimento do destilado em diferentes madeiras.  O rum, salvo engano, e por conta da colonização inglesa e francesa, "prefere" o carvalho. A palavra cachaça é patente internacional, de cunho nacional-comercial, mas se devia patentear as madeiras, que geram a verdadeira "cachaça"...
Cintia se pergunta: “É possível falar em terroir para cachaça? Muitos acreditam que sim, outros categoricamente afirmam que não, mas não há argumentos suficientemente sólidos”. Não sei o que seriam “argumentos suficientemente sólidos” em defesa de uma coisa tão indeterminada como “terroir”...
Panelinha (não o blog) será o novo selo editorial da Cia. das Letras, exclusivamente com livros de receitas, dirigido pela bela Rita Lobo, criadora do site homônimo, a Palmirinha dos modernos.
Já expressei aqui minha opinião sobre essa mania de diminutivos, mas eis que vem ai a entronização das receitinhas de “comidinhas”. Desse modo a Cia. das Letras entra no filão mais expressivos do segmento de alimentação, além das “dietas”. 
O interesse gastronômico nessa iniciativa é zero. Como explica a própria Rita Lobo, “serão todos livros de receitas, não de gastronomia”. Então, por que a Cia das Letras, que é uma entidade do mercado cultural, investe nesse segmento sub-literário?
Porque dá grana. Como mostra Paladar, “outras grandes editoras já vêm lucrando com títulos especializados, como a Globo, que publica os livros do inglês Jamie Oliver no Brasil”. Outro exemplo é a editora Senac - minha ex-casa editorial -  que, de olho no mercado, sepultou um interessante projeto editorial para aderir  ao mundo das receitinhas, publicando livrinhos apelativos, como um que se resume a reunir receitas com Nutella. É a força da grana que destrói coisas belas mas patrocina as letras...
É também o avanço da sub-cultura culinária, tão bem desenvolvida na web mas que ainda encontra um mercado de colecionadores longe de se esgotar. "Livro de receitas" parece livro. No cardápio do novo selo, vem ai A Comida Baiana de Jorge Amado, de Paloma Jorge Amado.
Ora, Jorge Amado nutriu-se nas receitas que se encontram num autor como Manoel Querino. A reprodução dessas receitas nos seus romances nada acrescenta de útil, a não ser aquela estranha  sensação de que quem está fazendo o seu vatapá a partir dele é mais culto do que quem utiliza o receituário do negro Querino. Bom para quem não leu Jorge Amado, bom para quem não leu Querino. Enfim, triste Bahia, cada vez mais dessemelhante.

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