29/08/2013

Gourmet: mais um capítulo da luta por palavras


Papo cabeça. A luta por palavras. Finalmente, não um produto mas um conceito chega à capa de Paladar. O que é gourmet? se pergunta o jornal. Jose Orenstein garimpa a resposta. E mostra como, sob essa palavra, aninham-se coisas e ideias, como a “monstruosidade” do brigadeiro gourmet, as varandas de apartamentos de elite, ocupados por gente que não sabe cozinhar e assim por diante. E Dna. Maria Brigadeiro nos diz: “Infelizmente, existe uma banalização. A indústria usa a palavra em tudo, para tentar colar ao produto a ideia de que é feito com ingredientes melhores, de que é um artigo de excelência”. Acrescenta: Mas ela afirma que, se fosse lançar seus brigadeiros hoje, não usaria o adjetivo, pois “ele se esvaziou e pode parecer arrogante. Eu criei um monstro”. Pois é, Dna Maria, infelizmente.

A luta por imagens: “É aquela imagem do século 18 ou 19, do tiozão gordão com um charuto na boca. Um mala sem alça”, diz Helena Rizzo. “A ideia de ‘gourmet’ hoje está relacionada a boa comida, mas também a sofisticação, elitismo, algo para poucos. É muito usada para qualificar algo que não é encontrado em qualquer lugar – sem que o produto seja de fato especial”, analisa Wanessa Asfora
Existe até pastel auto-denominando gourmet, frito em óleo de canola, aquela sigla que designa a colza transgenica de origem canadense: CANOLA = Canadian Oil Low Acid. Não vejo nada de gourmet nisso, mas há quem entenda que fritar nesse óleo torna gourmet algo banal. Há público para tudo.
Salva a matéria da mera enumeração de usos e abusos o sociólogo Jean-Pierre Corbeau: “Não acho que a gastronomia esteja reservada às classes dominantes. Ela está ligada às preferências alimentares e às relações com o que se come de todas categorias sociais. No entanto, e tenho notado isso com frequência desde que a gastronomia francesa foi reconhecida como patrimônio mundial pela Unesco, a maioria dos chefs e vários de meus colegas acadêmicos tendem a reduzir gastronomia às preferências alimentares dos grupos dominantes”. E acrescenta: “ A gastronomia permite um “reencantamento” da comida. E pode prover experiências, reabilitar os cinco sentidos de um comensal urbano que vive cada vez mais em um mundo virtual. A gastronomia é inseparável do interesse pela cozinha, pelas formas de ação que permitem uma apropriação do alimento como cultura e até arte, extrapolando sua simples dimensão nutricional”. A sociologia, se vê, ainda serve para alguma coisa.
Enquanto isso, Paladar convoca Julien Mercier para defender o foie gras contra o obscurantismo de um edil paulistano, que se tornou famoso entre gourmets: “o fato é que a gênese desse projeto engloba questões muito maiores, como as práticas abusivas da grande indústria alimentícia, a pesca descontrolada nas costas brasileiras e os campos de legumes e cereais transgênicos espalhados pelo País. Mas, para resolver esses problemas, o senhor terá de enfrentar os gigantes do setor e não somente três produtores de foie gras e alguns chefs/cozinheiros franceses. Então, que fazer? Focar na minoria? Pois é, talvez seja mais fácil mesmo”. Ameaças vem de toda parte...
Luiz Américo, escapando dos jardins, faz justiça ao Star City. É uma feijoada gourmet ou essa só se serve no Bolinha?

Enquanto isso, Comida prefere puxar um sambinha com o poetinha Vinicius de Moraes. Saravá! É melhor ser alegre que ser triste.


1 comentários:

N. disse...

as melhores comidas estão nos lugares onde não tem Gourmet na porta.
Ingredientes mais caros são melhores,sempre não é?
Não,não é.
Segregação social até em uma xícara de café.Mesmo que o café seja igual em todos os cantos,o que'' muda'' o café é quem estará tomando.Um gari ou um empresario?
Sim,o café de um parece ser absurdamente melhor que o outro.
Pequenas segregações sustentam enormes desigualdades

http://upsescapou.blogspot.com.br/

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