24/09/2013

23 visões da gastronomia do futuro




Tive um sonho no qual me apareceu Vate, um anjo torto, desses com dolmã e asas brancas, Nossa Senhora tatuada num braço e o Espirito Santo no outro. Tivemos longa conversa sobre o futuro da gastronomia, da qual retenho apenas frases soltas, meio sem nexo, mas que reproduzo a seguir por julgar que vaticínios dizem respeito não só aos sonhadores:



A pimenta biquinho será substituída por enfeites duráveis, que também servirão para as árvores de Natal.

Não haverá mais crosta de gergelim. Nem risoto de quinoa. Mas a papoula voltará às prateleiras.

Os porcos serão comidos por inteiro, inclusive o cérebro, e não só a barriga.

O salmão-do-Chile estará extinto e a indústria perderá a fórmula do kani. Ceviche será de peixe com limão, nunca de manga.

O hamburger gastronômico será bem feito e barato. E a batata deixará de ser rústica para ser apenas frita.

Não será obrigatório o uso de coisas crocantes no prato. Pepino e rabanete, só em salada; arroz frito, nunca. 

O azeite trufado só será usado como lubrificante.

Não haverá mais comidinhas (portanto, nem panelinhas), mas tudo do tamanho justo, conveniente. 

Nas mesas haverá apenas pratos, copos e talheres. Nada de ardósia ou outros materiais de revestimento. Pratos.

Os garçons, que recitam pratos, recitarão poemas de Lorca.

Pain perdue voltará a chamar rabanada, e levain voltará a ser fermento.

Artesanato será somente aquilo feito por inteiro pelo artesão, da matéria-prima in natura ao produto final.

As frutas da estação variarão a cada estação.

As temperaturas não serão baixas, nem altas. Apenas adequadas. E o cozinheiro poderá guarda-la para si, como um segredo a sete chaves.

Paris não será mais a capital da gastronomia, nem Lima. Nem Barcelona, nem Donostia. Será possível comer bem sem pegar avião.

Os concursos de vinhos às cegas serão às claras, pois o vinho nacional se conformará por ter nascido num país tropical, bonito por natureza. 

Como uma carteira de habilitação, os premios internacionais terão validade de cinco anos. No intervalo, os cozinheiros poderão simplesmente cozinhar.

As ruas não terão chefes de tipo algum, muito menos “chefs de rua”. Os chefs de restaurantes que, vez ou outra, montam barraca nas ruas, serão chamados “chefs visitantes”.

Quem não gosta de cachaça não será enxovalhado como traidor da pátria.

As formigas, em vez de comidas, serão combatidas com inseticida biológica. O Brasil acabará com a saúva, e ela não acabará com o Brasil!

Os eco-chatos e chatos de castas aparentadas terão que fazer 5 dias de dieta por semana, prescrita pela Palmirinha.

Os menus degustação serão curtos e bons. Nada harmonizará com nada, mas não fará a menor diferença.

Seremos todos naturais, orgânicos e biodegradáveis. Comidas e comedores. 

13 comentários:

Evandro Hernandes disse...

Cada vaticínio é um versículo sagrado que mereceria um capítulo. O último equivale a "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade".

jb disse...

amém!

Unknown disse...

a palavra #ai sim heim entrará para a barsa

Unknown disse...

a expressão #ai sim heim , entrará para a barsa. Por isso vou usá-la aqui como um adeus a ela.

Romaine Carelli disse...

Genial!

Felipe Cruz disse...

Fantástico, poético, instrutivo... e dá fome também !!!

wair de paula disse...

Que os deuses os ouçam...(adoraria ter escrito este seu post)
abraços

Anônimo disse...

Faltou o seu anjo dizer que os "foodies" irão entender que não são críticos gastronomicos e conversar com seus pares em vez de ficar postando fotos!!!

Ricardo Oliveira

Anônimo disse...

Genial, só deixe a batata rústica mal lavada e com casca frita duas vezes crocante por fora e cremosa por dentro.
Flávio Frenkel

Unknown disse...

Muito bacana.... também não gosto de prato com fumaças.... nuvens.... cama... espuma.. isto parece loja de colchão.....

ANA TERRA disse...

Adorei!!!

Claudia disse...

Ah...Passou um Anjo bem gordinho e risonho, dizendo "amém"... :)

Breno Raigorodsky disse...

Como sonho de Buñuel, surrealista que era, nada mais racional. De sonho apenas a liberdade de escrever sem cinta. Entre tantos ditos perfeitos, permito-me discordar quanto aos vinhos brasileiros e as formigas (que merecem sim, serem comidas, coitadas)

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