08/10/2013

A democracia mi-cuit


O vereador Laércio Benko (PHS), conseguiu aprovar, em primeira votação, o seu projeto que, entre outras coisas, proibe a comercialização de foie gras na cidade de São Paulo. Ele é o nosso exterminador de futuros, imitador de Arnold Schwarzenegger. Mas é também um umbandista, que advoga o sacrifício ritual de animais. A turma que acha que animal tem alma (“anima”) deve acha-lo contraditório.

O jornalista Luiz Américo foi atrás do vereador, questionando sua intenção. E constatou que ele está disposto a abrir discussão sobre o “foie gras ético”. Aliás, Luiz Américo expressou seu ponto de vista mais geral sobre alimentação. Escreveu eleEu gostaria de destacar que, mais do que querer influenciar resultados, faço a defesa do debate esclarecido, das decisões bem fundamentadas (e não desinformadas). Defendo produtos de boa qualidade – ética, gastronômica e nutricionalmente falando. O que inclui foie gras de produtores mais cuidadosos e exclui frangos e salmões “industriais”. Defendo, também, o consumo moderado de iguarias, incluindo o foie  (a meu ver, ingredientes de luxo não deveriam ser vulgarizados, e sim, respeitados). E defendo o direito dos cidadãos em dispensar a tutela do poder público no que diz respeito à sua própria comida”.

Evidentemente todos podem ter qualquer opinião a respeito - mesmo o vereador - contudo não é disso que se trata e, sim, do avanço do totalitarismo em nossa sociedade, a pretexto de que os cidadãos não saberiam defender os seus interesses e, assim, precisariam da tutela do Estado. A proibição de fumar em locais públicos, em vez de separar fumantes e não-fumantes; de consumir maconha ou gordura trans; a proibição que atinge o queijo de leite cru ou o uso de sangue em restaurantes; a proibição do jogo do bicho e assim por diante, correspondem ao avanço do Estado na regulamentação da vida privada e essa é a essência do totalitarismo. Não por acaso, esse avança sobre terrenos onde a bola está dividida.

Formalmente o processo pode parecer democrático (leis “discutidas”), mas fere a democracia como valor universal justamente quando transcende os limites da vida pública, do “commons”, para se tornar “decisor” no lugar da consciência de cada um. A rigor, na democracia os direitos de escolhas individuais que não firam o bem comum nunca são postos em questão. Ou melhor, não eram.

O Estado baby-sitter, ou o “Estado babá”, conforme livro do jornalista liberal  David Harsanyi, reporta claramente ao surgimento dessa nova configuração do poder público numa época em que a “grande política” entrou em eclipse. Normas irrelevantes para o bem público são criadas e, a partir delas, poderosos mecanismos de fiscalização deslocam a atenção geral para o controle da vida dos “divergentes”. Este Estado, submetido às forças de mercado - integradas também pela dita “opinião pública” - proíbe e libera ingredientes e processos industriais, conforme a força das pressões e lobbies, e o novo "babá”, substituindo o juízo de cada um, tratando-nos como crianças, proíbe que nos ofertem o que o senso comum acha que faz mal sob qualquer forma ou quantidade. Sua lógica é a do banimento.

A civilização do livre arbítrio, da escolha entre o bem e o mal, parece ter chegado ao fim e, com ela, toda e qualquer formação de tipo humanista parece ter se tornado supérflua, ao passo que o Estado prefere apostar na polícia, mais do que no esclarecimento. No que tange à comida, em breve, com suas bênçãos, comeremos rações humanas balanceadas. 

Aqueles que acham que “a humanidade pode evoluir e a culinária francesa não vai morrer sem o foie gras”, defendendo a vidinha pacata dos gansos, abdicam justamente daquilo que faz a diferença entre a democracia e o totalitarismo. 

E não deixa de ser notável que, até agora, a imprensa tenha “repercutido” apenas a opinião de chefs franceses, como Julien Mercier ou Erick Jacquin, fabricando à volta, artificialmente, um silêncio conivente. Eles parecem combatentes solitários, defendendo a “tradição” idiossincrática de seu país. Seriam eles, então, as únicas vítimas dessa legislação totalitária mi-cuit. Afinal, aqueles que jamais provaram um foie gras e nem pretendem fazê-lo pensam que as escolhas dos outros não lhes dizem respeito. Esse é exatamente o caminho que facilita o aprofundamento do totalitarismo em nossas vidas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Fico aqui pensando no dia em que alguém sugeriu que o Estado era totalitário ao definir que um negro não poderia ser mais escravo de um branco. E hoje é senso comum que foi a decisão mais acertada.
Ou esse Estado totalitário que daria ordens à um pai de família de como criar suas filhas, tendo que colocá-las para estudar.

A história só pode ser contada quando é história, não presente.
um passo de cada vez.

Luis Pereira disse...

como o comentarista de cima acho que o debate sobre o consumo foie gras - e o vegetarianismo em geral - está no campo da ética animal. é ético causar dor e morte aos animais em prol do nosso prazer? se esse debate não se estende ao simples abate é porque a crença de que precisamos de carne pra viver ou ter uma saúde ideal é geral. como vc disse, onde a bola está dividida(foie gras, cachorros, comida ritual) o debate ganha espaço. então não acredito, nesse caso, que o estado sirva de babá(voce nao pode fazer isso consigo mesmo), serve mais de vigilante(voce nao pode fazer isso com o outro).

pessoalmente nao vejo diferença entre o consumo de leite e do foie gras. da carne de porco ou de cachorro. mas da pra entender perfeitamente porque boa parte da sociedade pensa o contrario..

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