27/10/2014

Sobre o "aecismo" de chefs, chefinhos e chefetes

Não sou petista. Pertenço a uma espécie de dinossauros já extinta, mas isso não me torna cego para a política. E fiquei admirado pela adesão quase total dos chefs, chefinhos e chefetes à candidatura Aécio Neves. Não só deles, é verdade. Muitos intelectuais amigos, que passaram pelas águas fugidias da candidatura Marina, foram também desembocar nesse rio tucano. São as contradições da vida, mas sempre é possível tentar entende-las. Entender, por exemplo, que o bipartidarismo efetivo que temos entre nós não deixa expressar por inteiro a diversidade de opiniões que a população abriga. Há um momento em que temos que renunciar a ela, escolhendo uma entre duas possibilidades.

Somos cidadãos, e todo cidadão deve ser político - ocupar-se da polis, da res-publica e assim por diante, segundo qualquer teoria, dos gregos até hoje. Mas ultimamente os chefs, chefinhos e chefetes resolveram se politizar de maneira diferente: assumir várias “causas” publicamente, como se fosse um atributo inerente à profissão de cozinheiro.

No meu livro Formação da culinária brasileira (Três Estrelas, 2014) já me ocupei disso no ensaio intitulado “Propostas para a renovação culinária brasileira”, especialmente no item “6. A excelência da cozinha não depende de aspectos extraculinários, como o exercício da cidadania ou da consciência ética do cozinheiro”. Não é demais repetir aqui algumas passagens:

“Desde que Gastón Acurio começou a ganhar projeção mundial, firmou-se uma onda internacional que destaca o engajamento político-social dos chefs de cozinha. Estes, por sua vez, passaram a almejar a condição de líderes políticos, e muitos se dedicam, hoje, a causas relacionadas com a chamada “sustentabilidade ambiental”, ou seja, à crítica da indústria da alimentação e à defesa de práticas artesanais, especialmente agrícolas (...).

Estejamos ou não conscientes delas, todos nós temos responsabilidades sociais. Elas decorrem do moderno conceito de cidadania: somos corresponsáveis pelos destinos de todos em nossa sociedade, independentemente de nossas profissões. No entanto - e até mesmo pelo acolhimento midiático que adquiriram -, muitos chefs tendem a associar suas opções políticas à culinária que praticam, numa interpretação bastante própria da projeção alcançada por Gastón Acurio.

Assim como as pessoas participam de igrejas, clubes, confrarias, torcidas de futebol, elas também fazem escolhas políticas, participando de partidos ou iniciativas que afetam a sociedade. De modo algum isso pode ser visto como um pretexto para ocupar espaço na mídia, promovendo-se e a seu restaurante. Tal atitude teria um nome feio: oportunismo”
(págs. 238-239).

E o que vimos agora foi o aecismo escancarado por tantos chefs! Eu não gostaria de comer num restaurante evangélico, nem num restaurante palmeirense, como não gosto de pensar que estou comendo num restaurante aecista. A partidarização da culinária não serve nem aos cozinheiros nem aos clientes. Na minha opinião poderiam, sim, ter pressionado ambos os candidatos para assumirem compromissos com a agricultura familiar, com a “sustentabilidade”, com a defesa do artesanato alimentar contra a opressão dos organismos sanitários do Estado, contra o uso de agrotóxicos nocivos à saúde, e assim por diante.

Eles fizeram isso? Não fizeram! Então por que aderiram ao tucanato? Mais uma vez acho que por oportunismo.

Talvez estejam muito próximos a um público privilegiado, longe do povo, e sentiram o desespero da sua clientela, resolvendo fazer eco a interesses que não são próprios da sua profissão. Isso não é bom para a culinária e nem para os cozinheiros, visto num prazo mais longo.

Muitos dizem se sentir de “luto”. É uma bobagem sem tamanho. Deveriam agradecer que foram libertados dos vínculos constrangedores por uma clara e inequívoca manifestação popular majoritária.
Simplesmente votar e ir para casa, pensando no porque da derrota...

5 comentários:

André Borges Lopes disse...

É sempre bom saber que os dinossauros, mesmo extintos, seguem escrevendo e andando na contra-mão dos lugares comuns.

Anônimo disse...

Excelente texto.

Ana Franco disse...

Então o cidadão que chefia uma cozinha não pode exercer seu direito inalienável de expressar publicamente sua opção política sob pena de ser julgado?

O senhor como sociólogo deve saber que a gênese do PSDB é de centro-esquerda. Mas será cabível dividir o mundo de 2014 em esquerda e direita e não soar maniqueísta?

O senhor julga os que aderiram ao "aecismo" como se esses não tivessem capacidade de pensar por si mesmos. Coloca-se assim em posição de superioridade e amplia o abismo que dificulta o diálogo.

Se esses mesmos chefs tivessem vindo a público manifestar apoio à candidata reeleita, seria esse gesto igualmente condenado pelo senhor? Justo o senhor que usa de nepotismo no C5?

Mas essa é só minha opinião e eu sou apenas uma cozinheira incapaz de pensar sozinha. #SQN

Unknown disse...

faça minhas as palavras de André Borges Lopes aí acima, e acrescento que por essas e outras sigo sempre sua fã

Otto disse...

Quanta lucidez, num pós eleição estranho, que parece que não vai ter fim...
Perfeito texto, Carlos Alberto... Perfeito!

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