12/12/2014

Em meio a tantas espumas, o classicismo pede passagem



Demorou, mas a reação chegou. Em ensaio conciso, bem escrito, Rogerio Fasano expõe hoje, no Comida, porque gastronomia é cultura, sim, mas secular. O texto O que é ser o melhor restaurante do mundo? está destinado a ser um marco numa discussão bastante rasa que grassa por aqui, enfatizando sempre a hipermodernidade, as descobertas, o inusitado e o “distante” (Amazônia). É uma reação à hegemonia que vai se firmando dos chefs, chefinhos e chefetes que se embalam na onda iniciada por Adrià. Gero, é claro, faz a defesa do classicismo, terreno no qual é o campeão brasileiro (mas também já fez suas "modernizações", como substituir a manteiga pelo azeite na preparação dos risotos...), contra a segregação e o esquecimento do valor da diversidade, da pluralidade de caminhos.

Muitos dirão que a “razão real” (sic) do que ele alega não está explícita no artigo. Mas por acaso é um bom método crítico dizer que o que as letras afirmam pode ser negado pelo não dito? E o que ele afirma de fundamental é que o restaurante sem chef estrelado, o restaurante de restauranteur, estará extinto em alguns anos. Pessoalmente se sente um dinossauro, até porque se vê como “clássico” e usa gravata. Com graça, afirma que “o dia em que eu começar a discutir com meus chefs sobre antropologia, física, química ou sexo tântrico, trocarei meus remédios”.

Para Gero, o “Oscar da Gastronomia” (aquela lista do 50 best...onde o Fasano já figurou) é absurda, inclusive porque entra ano e sai ano e temos o mesmo filme... Acha impossível o melhor restaurante do mundo estar na Dinamarca, assim como não entende como o fato de ter mandado para o hospital 70 pessoas há dois anos, ou o segundo colocado (Fat Duck) ter sido fechado pela vigilância sanitária, seja irrelevante para mantê-los na lista dos “melhores”.

Da perspectiva clássica em que se coloca, “os sabores da Amazônica não satisfazem a todos o tempo todo. A diversidade gastronômica representa uma riqueza, mas há certos pilares incontornáveis. Muito do que se escreve sobre gastronomia atualmente é sobre essa busca desenfreada pelo inusitado”. Busca na qual, ele tem razão, se resvala para o terreno onde o determinante não é necessariamente o sabor mas outras percepções incitadas pela comida.


 Seu argumento, de que há “modismos que vão e vem”, é incontestável. E quando o chef prefere a fama, “é hora de mudar”, diz.  Ou seja, Gero Fasano coloca ao menos duas questões que precisam ser levadas em conta: 1) o “triunfo dos modernos”, impulsionado por mecanismos extra-culinários de promoção, não estaria destruindo valores culinários como a diversidade e o ecletismo, que é um valor em si da gastronomia?; 2) a tradição estará, de fato, irremediavelmente comprometida quando não liderada por “stars”, isto é, pelo personalismo?

São questões de difícil resposta, e será bom lermos as várias especulações que se farão. E fica a sua declaração de fé: “para quem ainda consegue achar que o paladar será sempre, entre os cinco sentidos, o fator decisivo de um prato, e acredita que a cozinha clássica não deve ser menosprezada mesmo que modernizada, sugiro o último album de Leonard Cohen, que, aos 80 anos, me enche de esperança de que as pessoas entendam o quando um clássico pode ser absolutamente atual”.  Ou seja:

Nothing left to do
when you know that you've been taken
Nothing left to do
when you're begging for a crumb
Nothing left to do
when you've got to go on waiting
waiting for the miracle to come

1 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

O movimento do pêndulo mais uma vez aponta para a história. Depois de uma ressaca de coisas que andavam faltando, lack de espaço para as particularidades regionais, vem o Centro reivindicar mais uma vez o seu trono. Normal, justo.

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