07/10/2016

O destino dos “italianinhos" à mesa na autofágica São Paulo

A  cidade de São Paulo carece tanto de uma “cara” que aceita ser multi-caras. A culinária é a área que melhor expressa isso, porque ela faz parte da estratégia de transplantação de um povo - viaja com ele, sejam imigrantes seculares, sejam refugiados recentes de toda parte do mundo. Isso é bacana. 

Então, quando os órgãos de turismo nos promovem como a “capital da gastronomia” aliam o ufanismo bairrista com a falta de unidade. Como o mundo, hoje, se quer diverso, é como se fosse uma virtude nova que descobrimos em nós, mesmos sem fazer nada por ela.


Somos também italianinhos, ou antigos carcamanos. Não como os novaiorquinos ou os portenhos, mas à nossa maneira. Estamos longe daquela sofisticação que adquiriram os restaurantes italianos em Manhattan. O macarrão, entre nós, entrou por baixo. E se popularizou e enraizou de tal maneira que, ainda hoje, guardamos o costume doméstico de comer macarrão com molho de tomate junto com arroz, feijão e salada, além de outros costumes considerados barbarismos. Já as elites, que sempre repudiaram esse macarrão à imigrante (sempre o fuzile, o espaguete molenga ou nhoque), que os caipiras assimilaram, logo encontraram formas de se re-italianizar na metrópole. 

Essa foi a função do Cadoro, do Fasano e de tantos outros restaurantes que surgiram entre os anos 60 e 80 no eixo da Avenida Paulista. E surgiram o risoto de arroz arbóreo, o tiramisu, o tartufo bianco, o gelato em vez do sorvete, etc. Hoje, o “bom italiano”, mesmo para quem nunca o frequentou, é o Fasano

Os italianos que vieram para cá eram do populacho. Ganharam dinheiro e viraram as costas para o mezoggiornoO tempo comeu as cantinas da Mooca e do Brás (como a  Balila), deixando uns arremedos delas na rua 13 de maio. 

Mas todos os oriundi tem direito às suas fantasias, inclusive de ascensão social dentro da tradição. E é a esse imaginário italianinho que fala um empreendimento como o Eataly

A restauração dos mitos é tão mais importante quanto nos distanciamos dos ritos que sustentaram essa identidade, e nesse movimento de ir e vir, do simbólico ao efetivo, se enterra o que de fato foi a recepção à tradição italiana dos imigrantes. Coisas como a sardella, a “braciola”, nunca existiram na Itália na forma como existiram aqui e, como foram abandonadas pelos “modernos”, se pôde extrair da braciola, sem protestos, o “sofisticado” involtini. 

Visto do alto, a tradição italianinha que se desenvolveu em São Paulo foi de corrupção e decadência da “autêntica” Itália sofisticada, rica e moderna. Atitude bem diversa ao lidar com a própria tradição foi a dos espanhóis modernos, quando resolveram enfrentar e reler pratos como a paella ou o bacalhau a pilpil.

Nós, paulistanos, somos ambivalentes diante de nossa própria formação. Podemos até elogiar, tentar “resgatar” o que se perdeu. Domesticamente. Na esfera pública queremos ser “modernos” mesmo diante daquilo que foi tradicional, repudiar as marcas do tempo e recomeçar infinitamente. É a forma que temos de “limpar” a história, inventar tradições. 

O italianinho que há na alma paulistana é, hoje, inofensivo. Mesmo que lhe falte autenticidade (grande consumidor de azeite aromatizado artificialmente com tartufo bianco!), quer parecer um europeu milanês transplantado. 

Também, para enfrentar a “identidade japonesa” das temakerias não é preciso muito… Mas você notou como os novos sírios chegaram como uma força estranha?




1 comentários:

lelehm21 disse...

Nossa, verdadeiro Dória, está aí uma discussão imensa, que vai longe, que suscita opiniões muito diferentes é importantíssima para o entendimento da culinária dos imigrantes em São Paulo...
Maranhão

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