02/11/2016

Restaurantes - o top and down na paulicéia desvairada

Não há dúvida: há uma crise rolando solta, o que significa menor geração de valor, menos dinheiro circulando, o que afeta diretamente o comer fora. O consumo alimentar era mais elástico, um gasto maior com restaurantes; o que hoje é excepcional, era mais corriqueiro. 


Talvez esse seja o nome verdadeiro da “crise da gastronomia”: as pessoas cansaram entre outras razões porque tem menos dinheiro. O que “valia a pena” hoje é mais pena do que valor reconhecido. Daí as discussões derivam para vários assuntos paralelos, em círculos, sem atacar o principal.

Mas sempre tem gente atenta, criativa, tirando o que pode dessa situação. E foram se multiplicando restaurantes baratos e considerados bons. A primeira tentativa foram os food trucks. Não parecem que deram “certo”, pois acabaram sendo, em boa medida, a extensão dos restaurantes estabelecidos para a rua, sem nunca serem uma “comida de rua” stricto sensu. E houve o esforço para fazer do hambúrguer um graaande rango...

E surgiram os estabelecimentos considerados baratos em termos relativos. Não sei se o Jiquitaia foi o primeiro, mas parece que foi concebido para se situar nesse limiar. E a Comedoria Gonzales. No conjunto,  o Conceição Discos, o Tan Tan Noodle Bar e alguns outros izakaya em conta, o Jesuíno Brilhante, o Capivara, o Komah. Não possuem chefões na cozinha, apenas bons cozinheiros. Não possuem Thermomix na cozinha. Em quase todos, o serviço é quase nada, o cardápio enxuto e variável para que você não enjoe, as opções de bebida são poucas e o ambiente simples-descolado, o pessoal que serve é simpático, a locação improvisada ou despojada. Neles não há "estilo", no máximo temáticas.

Nesses lugares, você tem a sensação de que paga o que “vale-quanto-pesa”. Mas o mais curioso é o discurso gastronômico que vai se tecendo à volta. Ai você encontra “o melhor arroz com miúdos”, “o melhor pudim de leite condensado de São Paulo”, a “melhor comida sertaneja”, “a melhor cachaça e a melhor caipirinha da cidade”, “o melhor café” e assim por diante. De costas para o excesso do “luxo”, vai se tecendo um novo entendimento, que flui no boca a boca ou pelas redes sociais, e esses lugares vão se enchendo, gerando espera, totalmente legitimados pelos hipsters. É o discurso legitimista se erigindo, semelhante àquele que diz que quem anda de bicicleta ou uber é um sujeito melhor do que quem anda de carro próprio.

Claro, na outra ponta - dos restaurantes “top” - também há movimento intenso. Afinal, a grana continua se concentrando em poucas mãos e essa gente gasta mais e mais. Até o Cadoro, extinto, tal qual Lázaro, resolveu dar de novo as caras. Os restaurantes apenas médios, estes sim pagam a crise. Ninguém sente a sua falta.

Então, em vez de um efeito puramente saneador, a crise também complexifica o cenário gastronômico. A nova categoria surgida, a partir da criatividade de gente disposta a ousar, vai ganhando cidadania. 

Os jornalistas, que não entendem esse movimento econômico, chamam a isso “nova tendência” - o que quer dizer que logo logo vão direcionar a atenção para outras coisas que certamente surgirão, pois o seu problema 
é sempre a manchete.

A grande imprensa, os guias que sempre correm atrás do prejuízo, que não conseguem ver o novo surgindo, alguma hora pespega uma medalha de “chef revelação” no peito de um desses pioneiros da “nova tendência”, como se cada caso fosse um caso e não uma busca articulada da cidade por novos modos de vida, como se estivesse esperando a agitação histórica decantar para só aproveitar a nata... É o que temos para hoje.


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