17/06/2018

Passo decisivo na legislação que rege o artesanato alimentar



A aprovação da lei Nº 13.680, que “discriminaliza” a produção artesanal brasileira é expressão de uma luta de décadas para criar-se um regime especial de vigilância, não se considerando mais o artesanato alimentar como um igual à grande industria alimentar.

Quando participei da formação da Ong Sertaobras (http://www.sertaobras.org.br/quemsomos/historico-sertaobras/) há uma década, acompanhei de perto a ação da fiscalização contra os produtores de queijo canastra. As autoridades tinham todo o direito de confiscar os queijos “clandestinos” e inutilizá-los, jogando creolina sobre eles na beira da estrada.  Recentemente ganhou repercussão nacional o episódio de apreensão de queijos comercializados por Roberta Sudbrack em evento no Rio de Janeiro.

Todos sabemos que o direito do Estado esterilizar o trabalho dos cidadãos é algo inconcebível  no regime de produção livre. No entanto era assim, graças à subordinação do artesanato à legislação geral a que a indústria alimentar deve obedecer. A falta de reconhecimento das diferenças na produção era a razão desse tratamento. Ao menos até o advento da lei Nº 13.180, de 22 de outubro de 2015, sancionado por Dilma, e que definia a profissão de artesão,  como aquela que “presume o exercício de atividade predominantemente manual, que pode contar com o auxílio de ferramentas e outros equipamentos, desde que visem a assegurar qualidade, segurança e, quando couber, observância às normas oficiais aplicáveis ao produto”, dentre os quais a produção alimentar. E, finalmente, a decretação da Lei  Nº 13.680 de 14 de junho de 2018, reconhecendo que a produção artesanal terá um regime especial de fiscalização e gozará do direito de circulação em todo o território nacional, mesmo sendo fiscalizada pelos órgãos estaduais.

O desenvolvimento do sistema de fiscalização se fez no Brasil à sombra do desenvolvimento da própria industria de grande porte e não é de espantar que consagre regras que só ela pode cumprir. Mas a luta de milhares de produtores artesanais, urbanos e rurais, haveria de repercutir na estrutura do Estado, mais cedo ou mais tarde. É o que começou a acontecer.

Novos capítulos se seguirão.  É sabido que os estados podem acrescer novas restrições à lei federal, não podendo contudo diminuir aquelas impostas pela legislação federal. Pode-se, assim, imaginar um cenário no qual as lutas dos artesãos alimentares se reproduzirão, agora contra a nova competência estadual.

Como situação ideal, será desejável, além de um ambiente de liberdade de produção de alimentos sadios, a livre associação dos produtores por especialidade, em torno de conselhos reguladores que ditem normas homogêneas para os afiliados. É o que acontece em toda a Europa, por exemplo, existindo casos de regulações bem avançadas, como na Cataluña. Não se deve, pois, cantar vitória antes do tempo.

Seja como for, o importante é reter que essa linha de evolução só é garantida por muita luta, pela mobilização ampla dos interessados e com o apoio dos consumidores urbanos. É preciso criar o clima, o espírito, de consagração desse modelo alimentar, distinto daquele irremediavelmente comprometido com o grande capital e com práticas produtivas em geral em conflito com o respeito às leis naturais que regem o meio ambiente.


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