11/05/2019

MENOS AMOR E MAIS QUÍMICA!




A gastronomia é cheia de amor para dar. Chefs, chefinhos e chefetes muitas vezes apóiam seus discursos em ditos como “cozinha é amor”. Na verdade tudo deveria ser amor, não é? Até o modo de tratar os moradores de rua, exigindo que a Prefeitura de São Paulo se alinhe com práticas solidárias. Mas este é outro assunto.

O amor não pode ser um biombo a esconder a falta de conhecimento técnico. A química dos alimentos em nada é afetada pelos sentimentos de quem cozinha. Não basta amor, nem fidelidade à “ancestralidade”, se não se compreende a arquitetura químico-física de um produto feito na cozinha. Esta oposição, além de falsa, não ajuda em nada a aspiração de desenvolvimento gastronômico.
Tenho visto um crescente interesse de jovens em confeitaria. Mas esse horizonte de beleza nas sobremesas esbarra no uso abusivo de leite condensado, do desregramento no uso do açúcar, no desconhecimento do que estrutura as moléculas em vários tipos de preparação. Poucos são os alunos recém-saídos de faculdades de gastronomia que conseguem discorrer sobre a organização das mousses, independentemente de serem salgadas ou doces. Saem convictos de que uma maionese é uma coisa de outra família de uma mousse de chocolate. Acreditam que o que estrutura a mousse é a manteiga e a clara batida e assim por diante...

Na confeitaria, felizmente, alguns profissionais já se apresentam no mercado ofertando conhecimentos de outra qualidade. É o caso, por exemplo, da Escola Sorvete de Francisco Sant´anna. Tudo medido, tudo pesado, utilizando produtos naturais tecnológicos, como garantia de construção de sorvetes modernos com a melhor técnica. Francisco, em sua biografia, trabalhou próximo ao grupo de Hervé This e todos nós nos beneficiamos disso.

É também o caso de Joyce Galvão , engenheira de alimentos que trabalhou na Fundação Alicia, de Ferran Adrià. Ela já nos fez o favor de publicar um livro sobre a química dos bolos, explicando entre outras coisas que não é a clara batida que faz o bolo fofinho, mas o fermento (mas tem gente que ainda fica pegando receita de avó e atribui ao amor o sucesso químico dos bolos). Ela também tem uma iniciativa anual  que congrega confeiteiros em torno da reflexão que faz pensar no automatismo da vida e das receitas estabelecidas.

Esses dois profissionais das luzes,que não se deixaram paralizar pelo pseudo-"amor" ou ancestralidade,  introduzem o ingrediente mais importante na nossa gastronomia: a inteligência, a ciência e a técnica. Importante porque, até hoje, além do amor, muitos profissionais se entregam de corpo e alma aos produtos para confeitaria da Nestlé. Só quem não se importa por ser o último elo de uma cadeia industrial despreza esse conhecimento.

Uma confeitaria parruda, como os japoneses construíram, implica em dominar o açúcar e demais ingredientes através do conhecimento da física e da química, não sendo dominado pela Nestlé e outras multinacionais de insumos. Sem isso, não há amor que sobreviva. Acredite.

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