28/02/2009

Passeio à Casa Flora

Religiosamente às quintas-feiras, confortavelmente instalado no banco de trás do Desoto 1950, meu avô me levava às compras gastronômicas no centro de São Paulo: Mercearia Godinho e Empório Argêncio eram os alvos. No Argêncio, na Praça da Sé, comprava apenas a ricota fresca. Já era difícil estacionar por lá e o motorista precisava ficar dando voltas no quarteirão.
Uma coisa inacessível acaba morrendo. O recente tombamento das prateleiras da Mercearia Godinho pelo patrimônio histórico municipal (Conpresp) é bastante preocupante. A Godinho foi condenada a jamais sair dali, guardando eternamente prateleiras que um dia foram pujantes.

Mas também, ir para onde? Todos os que saíram do centro, atraídos pelo poder gravitacional da grana, não se deram muito bem. A cantina Balila é, para mim, uma grande perda. Agora, o grego Acrópole abriu filial no coração do pedaço rico da cidade. Quem lá esteve não gostou.

Parece mesmo uma traição à cidade abandonar o seu centro. Godinho, Argêncio, Balila, Acrópole – todos deveriam, como escudeiros nossos, resistir bravamente. A que? À deterioração urbana, à especulação imobiliária que se seguirá.
Se quisessem preservar a Mercearia Godinho bastaria aprovar uma lei dizendo que um quilo de bacalhau, envolto de papel manteiga e amarrado com barbante, isentaria de multa por estacionamento proibido. Paulistano é mais apegado ao volante do que às tradições gastronômicas.

Mas ninguém é de ferro, e ao menos o comércio de secos e molhados gostaria de ter também os seus dias de Casa Santa Luzia. Por isso aponta para fora do centro e, numa subversão geométrica, excêntrico passa a ser quem permanece no centro. Mas, de fato, o centro ainda não está totalmente abandonado. A Casa Flora é a Mercearia Godinho dos dias de hoje.

Pressionada pela lógica atacadista, oferece azeites razoáveis a preços idem. Amêndoas de todo jeito. Pistache idem. Queijos a preços mais que razoáveis (o mesmo brie, pela metade do preço do Pão de Açúcar. Diniz explorador!). Vinhos descolados, para quem põe em primeiro lugar o prazer cotidiano, não a grande celebração. Uns chocolates de marca esquisita (português!) mas com 70% de cacau e preço bom. Milhares de produtos naquela fronteira entre o razoavelmente bom e barato e o resto, certamente bom e caro.

Pelo preço e pelos produtos, a Casa Flora garante ao novato aquela sensação de haver descoberto um mocó dos mais expressivos. Justamente o que move a deambulação de um gastrônomo amador através dos tempos e da sucessão de endereços.

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