22/03/2009

Os desafios do abio e do cambuci


As duas frutas da foto - a verde que é o cambuci (Campomanesia phaea) e a amarela, que é o abiu ou abio (Lucuma cuimito) - comprei sábado, numa loja da rede Natural da Terra. A primeira, uma mirtácea, da família da jabuticaba, que deve seu nome à forma assemelhada com as urnas funerárias dos tupi-guaranis; a segunda, uma sapotácea.
Ambas constituem grandes desafios para os cozinheiros criativos, ávidos por explorar as potencialidades de nossa flora. Mas são desafios bastante diferentes, senão opostos.
De um lado, a delicadeza da polpa gelatinosa do abio quase impede qualquer interferência humana para apreciá-la. É um alimento que parece viável somente in natura. Qualquer coisa que se pense fazer, além de meter-lhe uma colher e rapidamente levá-la à boca, soa como uma violência imperdoável quando paramos um segundo para pensar.
De outro lado, temos a agressividade ácida e a adstringente do cambuci, que praticamente exige a interferência humana para, isolando e extraindo suas propriedades, poder aplicá-las em preparações agradáveis.
De fato, não conheço qualquer produto com o abio. Já o cambuci é usado tradicionalmente para saporificar cachaça. Há também um bom sorvete da fruta feita por Alex Atala. Para frutas tão extraordinárias isso é pouco, muito pouco.
O Natural da Terra mantém uma pequena gôndola com frutas nativas e exóticas de aclimatação histórica. Já encontrei muita coisa rara lá, como a fruta pão, umbu, graviola, etc. Uma oferta mínima em quantidade, comparada com as gôndolas de outros produtos. A razão de mantê-las deve ser mais cultural do que comercial. O marketing é a convergência desses dois aspectos – o cultural e o dinheirístico.
Seja como for, é uma plataforma de experiências para cozinheiros criativos. Não há dúvida de que os chefs inovativos deveriam se debruçar anualmente, nas épocas de coleta, sobre frutos como o cambuci e o abio para descobrir o que podem extrair deles. Apalpar, abrir, cheirar, lamber, triturar, misturar – enfim, interrogar a natureza por horas seguidas, entregar-se à tentativa e erro, em vez de apenas repetir, de forma mecânica e impensada, gestos e receitas aprendidos da tradição.

0 comentários:

Postar um comentário