20/03/2009

Internacionalização gastronômica da Amazônia


Amazônia é um tema do nosso orgulho nacional. Nos vemos como “donos” da Amazônia e estamos dispostos a apoiar toda iniciativa em defesa desse patrimônio. No entanto, ainda as vemos como defesa de um território em termos quase que exclusivamente militares, como se estivéssemos nos tempos da ditadura e do “Brasil grande”, cercados de inimigos prontos a desembarcar e levar o que é nos pertence.
Mas as ameaças à “amazoneidade” não são exatamente militares. Há, por exemplo, a ameaça à biodiversidade: o uso e patenteamento de recursos amazônicos por grandes multinacionais, restringindo o acesso àquilo que consideramos, antes de tudo, “nosso”.
Há também a ameaça menos importante, mas simbolicamente muito expressiva, à gastronomia de inspiração amazônica.
Em Com unhas, dentes & cuca, Alex Atala e eu (nesse particular, bem mais ele do que eu...) procuramos definir o “conceito gastronômico de terroir amazônico” (págs. 216-222). Ora, além do trabalho pioneiro de Paulo Martins e as pesquisas do próprio Atala, essa é uma linha de busca gastronômica bem pouco explorada entre nós.
Pouco explorada se observarmos, por exemplo, o que fazem os peruanos. A reportagem de Janaina Fidalgo (“Onda andina”, Folha de São Paulo, 19/03/2009), dando conta de três restaurantes peruanos que abrirão em breve em São Paulo (Kila, La mar e Salero), bem mostra a estratégia agressiva dos peruanos em matéria de ”amazoneidade” gastronômica. O La mar abriu no México, na Costa Rica, no Chile, Estados Unidos e Panamá, abre agora em São Paulo e, em seguida, na Colômbia.
O conceito que move esses novos cozinheiros é difundir a “cozinha nuevo latina” derrubando fronteiras, inclusive da Amazônia: “a Amazônia não é só brasileira, é de todos os países à volta”, dizem.
El Pais já havia feito uma matéria, anos atrás (“Lima, la capital de la fusión”, 25/10/2004), mostrando o rico potencial de diálogo culinário daquele país andino, fruto da forte presença japonesa e chinesa, além de elementos incaicos e africanos; diálogo experimental que também conta com forte apoio oficial. Naquela matéria se lia: “Um punhado de jovens cozinheiros, entre eles Gastón Acurio, Rafael Piqueras, Rafael Osterling, Pedro Miguel Schiaffino y Marilú Madueño, são a vanguarda de um país apaixonado pela cozinha. Em seus respectivos restaurantes de cozinha contemporânea (novoandina) se somam centenas de casas de comida criolla, locais, de nikkei (japonesa e criolla), assim como uma plêiade de restaurantes chineses e criollos que se conhece como chifa”.
Kila, La mar e Salero vêm a São Paulo, entre outras coisas, para se apropriar de um pedaço da “amazoneidade” gastronômica. Na medida em que fizerem um trabalho eficiente, de fato derrubarão a “exclusividade brasileira” como pretensão culinária mundial. A dimensão internacional do esforço peruano para firmar a gastronomia amazônica é de tirar o chapéu.
Nós, brasileiros, continuamos com aquela dificuldade insuperável da regularidade da produção de ingredientes amazônicos e da logística para que cheguem aos mercados mais importantes do país e, assim, vamos perdendo o bonde da história.
O próprio Adrià tem insistido no potencial da gastronomia a partir da Amazônia – antevendo uma segunda “descoberta” da região, advertindo, ao mesmo tempo, sobre o estrangulamento dessa oportunidade pelas razões apontadas.
Talvez Adrià tenha esquecido de esclarecer que essa oportunidade, para o mundo, surgirá pelo flanco andino – não pelo lado ocidental da região.
Parece que as autoridades brasileiras ainda pensam na batalha militar que não haverá e, por isso, dia a dia, perdem as pequenas batalhas da biodiversidade. Como essa, da brasilidade do conceito gastronômico de Amazônia.
Além das influencias chinesa, japonesa, negra e indígena, o Perú avançou na apropriação comercial de uma série de frutas (aguaymanto, lúcuma, chirimoyas), hortaliças (ají amarillo e limo, rocoto ou cahihua) e tubérculos (camotes, yucas e ollucos), além de milho branco (choclo) e morado – aos quais se somam peixes de alta qualidade e carnes singulares como o cui (porquinho da Índia) e a llama. Combinar tudo isso de maneira inteligente e moderna é o caminho peruano para se apropriar da gastronomia amazônica e andina.

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