18/03/2009

Sorvetes: um exemplo bem sucedido de culinária nacional


Sorvetes são produtos muito fáceis de se fazer. Por isso são feitos desde a antiguidade. Modernamente, em todo canto. Recentemente, a tecnologia aplicável deu um salto de qualidade, a partir da invenção da máquina Pacojet .
O salto tecnológico criou a possibilidade de abandono da densidade necessária para se “sorvetificar” uma matéria prima (em torno de 20º Baumé), trabalhando a partir do congelamento de qualquer mistura, mesmo em densidade 1º Baumé, que é a densidade da água. Antes era preciso trabalhar com a polpa ou, no caso de sucos, acrescentar espessantes de qualquer espécie, em geral uma quantidade indesejável de xarope de açúcar (excessivo, por exemplo, para fazer um sorvete de limão). Desse modo ampliaram-se as possibilidades de se chegar a um bom produto com frutas brasileiras.
Há quem entenda que é puro “nacionalismo” pensar uma gastronomia com ingredientes brasileiros. Bobagem: trata-se de enriquecer o arco de possibilidades gustativas para a humanidade como um todo.
Exemplos do caminho a seguir encontram-se nas sorveterias Cairu , em Belém do Para, e a Sorbê , em Brasília.
A Cairu, que já é antiga, melhorou muito nos últimos anos, conseguindo reduzir o teor de açúcar dos sorvetes e aumentar a untuosidade. Seus produtos, como as frutas, são sazonais. Os meus preferidos são os de bacuri e de uxi.
Conheci a proprietária da Sorbê, a Rita Medeiros, no Mercado Floresta – uma iniciativa comercial alternativa que não foi adiante – em 2005. Fiquei impressionado com a variedade de frutas do cerrado (mangaba-do-cerrado, pequi, araticum, cajuzinho-do-cerrado, jatobá, macaúba), com o baixo teor de açúcar dos seus produtos (o que deve custar a ela uma briga cotidiana com os clientes) e as redes de fornecedores que montou para captar frutas que são nativas. Tratava-se do trabalho comunitário em prol da excelência gastronômica. Leio agora no site que está fazendo também sorvetes de mel de abelhas sem ferrão. Não experimentei, mas aposto neles.
Me encantei especialmente pelos sorvetes de jatobá e de macaúba. Ambas são frutas da minha infância e que jamais imaginei recuperadas através da sorveteria artesanal.
Sei que pouca gente gosta de jatobá. É como pequi: ou se ama, ou se odeia. Macaúba é um coquinho hoje desprezado, quase só comido pelo gado que pasta nos parcos campos de cerrado. Na minha infância se cortava a sua polpa, cozinhando com leite e um pouco de açúcar. O resultado era um leite untuoso, aromático e com sabor único.
Bem, recordações não são coisas cujo registro gustativo se possa partilhar. Mas, felizmente, há gente que faz do sorvete uma verdadeira viagem por um Brasil de ingredientes sem iguais.

1 comentários:

clarice disse...

nossa Dória, esse post me lembrou daqueles picolés de Porto Seguro, ao lado, da casa em que ficamos, quando a gente (eu e o Badá) eramos pequenos... Aliás, que ótimo que está esse blog, bom mesmo de ler! Venho aqui todos os dias... um beijo, Clá

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