01/04/2009

Etnografia do cuscuz - I


A bela foto acima, feita por Pedro Martinelli, é de uma casa de farinha de milho do sul de Minas. Nós temos a intenção de fazer uma etnografia do milho e das casas de farinha. Ele já está se adiantando. Publicou a foto no site dele e, com permissão, reproduzo aqui. Mas vale a pena ler o texto que fez também. Tem uma frase ótima: “o estado cultural de um povo começa pelo conhecimento de suas farinhas”. Fotógrafo fazendo antropologia cultural... Preciso correr atrás.
No Brasil, os partidários da “culinária nacionalista” se dividem em dois grupos: a turma da mandioca e a turma do milho. Como os índios. O milho se difundiu com os guaranis, a mandioca com os tupinambás. A “turma da mandioca” fez a opção preferencial pelos tupinambás.
Não sei dizer qual culinária é a melhor, se a do milho ou a da mandioca. Mas a turma dos guaranis foi massacrada gastronomicamente pela turma dos tupinambás ou mandioca.
A pedra de toque da moderna culinária do milho é o cuscuz. É um exemplo privilegiado de adaptação, pois sabemos que a origem do cuscuz é no Magreb. Aqui, a sêmola de trigo grão duro foi substituída pela farinha de milho. E o milho, que é extraordinário, invadiu também os domínios do trigo via norte da África. O “grano turco” italiano nos dá uma pista segura.
As casas artesanais de farinha andam desaparecendo à medida que a indústria avança e, no Nordeste, ela em geral é substituída por uma outra forma – chamada “milharina” – cujo processo de fabricação é diferente.
No passado, a farinha era feita diretamente do milho cru ralado. Hoje, deriva em geral do milho seco reidratado. Do ponto de vista técnico, o processo de produção da farinha de milho é dividido em quatro fases:
1) Canjicamento: é a primeira etapa de fabricação da chamada "farinha de milho biju", quando o milho passa pela “canjiqueira”, que consiste de uma seqüência de facas aderidas a um eixo motriz, seguido por um conjunto de peneiras de malhas diferentes para a separação da canjica e do farelo, respectivamente, produto e subproduto. O processo resulta na degerminação, descascamento e limpeza da canjica, pois a permanência do embrião, casca e pós comprometem a moagem. Essa etapa gera dois subprodutos diferentes na granulometria, chamados farelos.
2) Umidificação: a canjica, limpa, é colocada de molho em tanques de alvenaria, onde é adicionado água (em temperatura ambiente) para ocorrer a umidificação, que se completa em torno de cinco dias. A água é drenada a cada 2 dias para minimizar a fermentação.
3) Moagem e peneiragem: a canjica úmida é processada no moinho de discos depois de drenada a água, seguida do peneiramento para separar o endosperma, que é moído em partículas menores de 1mm para resultar na “farinha de milho biju”. O Processo visa obter uma “massa” homogênea, fina e úmida, lembrando o fubá em sua granulometria, e a peneira utilizada tem malha de 1mm de abertura. O restante da casca (pericarpo)remanescente do descanjicamento é separado como partículas maiores. O subproduto gerado nessa etapa, depois de seco ao forno, também é denominado farelo.
4) Torra: a “massa” obtida da moagem da canjica é levada para a torra no forno rotativo, espalhada por uma peneira trepidante sobre a chapa do forno aquecida a ± 300° C. Sobre a chapa, a massa de milho é prensada com rolos, para produzir o “abiscoitamento” e formar os “bijus” que giram para resultar na secagem ou torra.
Graficamente temos:

5 comentários:

Joyce Galvão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Joyce Galvão disse...

Fica até difícil escrever alguma coisa agora, muito obrigada pela breve conversa e pelas carinhosas palavras no livro. Espero termos outras oportunidades de conversar e trocar mutuamente informações valiosas como as discorridas no debate. Parabéns pode até parecer um pouco clichê, mas é breviamente, tudo que posso dizer a uma pessoa que não limita a troca de saberes e opiniões. A nossa, sim, a NOSSA Gastronomia precisa muito disso!

um grande beijo,

Joyce
joyce.vgalvao@gmail.com

Unknown disse...

Descobri o blog faz pouco tempo. Finalmente leio que o cuscuz feito no Nordeste é adaptação do berbere. O pessoal para quem eu falava isso dizia que era "viagem na maionese de uma historiadora". Como eu nunca tive muita gana em pesquisar o assunto a fundo, ficava por isso. Agora vou mandar o pessoal vir ler as postagens do E-boca livre.
Agora sou leitora assídua de seu blog, pois além de falar sobre comida e gastronomia, há o viés de um sociólogo que deixa tudo muito mais interessante.

Unknown disse...

Adorei o post e viva o milho!

Anônimo disse...

Pastel de milho (recheado de carne moída) e bolinho de frango (bolinho caipira) são minhas melhores lembranças de comidas feitas com farinha de milho.

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