É curioso o papel da crítica gastronômica. O que esperamos dela? Sabemos o que esperar da crítica literária, da crítica musical, mas será que sabemos o que esperar da crítica gastronômica?
As críticas literária e musical, assim como de artes plásticas, possuem suas próprias teorias, de sorte que também podemos julgar o crítico em função das referências teóricas e conceituais que o movem. E o crítico gastronômico, qual sua teoria? Qual a sua metodologia?
Como a gastronomia não é uma forma canônica de arte – e há quem diga que se trata de uma não-arte, pois não tem um objeto próprio – muitas vezes nos contentamos com a sua crítica mais elementar: o analista nos diz, diante de um prato, “gosto” ou “não gosto”.
Mas por que vou abrir mão da minha subjetividade em favor da subjetividade de um terceiro? Muitas vezes por preguiça. Não quero perder meu tempo arriscando e elejo um bode expiatório para experimentar o que eu virtualmente desejaria. Esse crítico é uma espécie de comissão de frente do meu desejo.
Mas há o crítico da cultura alimentar ou gastronômica. Esse é mais raro e o que ele nos fornece são coordenadas para nos movermos livremente entre os desafios de um mundo empírico, concreto, que é bem maior do que as experiências que pessoalmente podemos acumular. Dentro desse tipo de crítico, Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003) foi um expoente e figura quase única.
Esse prolífico escritor catalão, de posições políticas inequívocas – em sua obra brilha o comunista militante, que sempre usava sua verve em favor da democracia e contra o franquismo – criou para si um vasto campo de cultura gastronômica onde, como autoridade, pontificava com a admiração de todos. Quando morreu, Ferran Adrià escreveu em seu elogio fúnebre: “ Montalbán é importante porque foi a pessoa que tornou possível que a cozinha tradicional e a contemporânea convivessem sem problemas neste país. Foi autor de livros importantes sobre cozinha tradicional, mas era também um amante da cozinha de vanguarda e nunca se referiu a elas como se fossem mundos contrapostos {...}. Sobre El Bulli, Vázquez Montalbán foi a primeira pessoa que falou do que estávamos fazendo qualificando-o de “cozinha de investigação”. O disse há oito ou dez anos, quando as pessoas ainda não sabiam como qualificar o que fazíamos no restaurante. Era admirável, já que não só em cozinha, mas em tudo, tinha uma grande capacidade de análise e de antecipar-se ao futuro”.
Capacidade de antecipação. Talvez esta seja a chave da critica gastronômica. Nesse sentido, Montalbán é o fundador da moderna disciplina da crítica gastronômica, isto é, alguém que estabeleceu a sua “teoria analítica” mais do que exerceu a crítica de restaurantes propriamente dita.
Outra figura de destaque da crítica é Rafael Garcia Santos, embora este se concentre mais na crítica de restaurantes. Ele não é exatamente querido, como Montalbán. Talvez seja mais odiado do que qualquer outra coisa. Seu método partisan consiste em separar o joio do trigo: quem não faz a moderna cozinha espanhola simplesmente não presta! Ele segue uma espécie de decálogo da cozinha moderna, que ele mesmo sintetizou. Como, decadas antes, Gault-Millau havia feito para a nouvelle cuisine. Apesar disso, é inegável que Garcia Santos funcionou como parteiro de um novo ambiente gastronômico na Espanha.
E entre nós? Quais são os passos para se superar o primeiro momento da consciência gastronômica, o jogo maniqueísta do “gosto-não gosto”? É claro que sou grato àqueles que me desviam de experiências que não seriam gratificantes. Mas isso é tudo o que, entre nós, a crítica pode dar? É uma questão a pensar.
15/04/2009
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6 comentários:
Carlos,
tudo bem?
Três comentários
1.Apesar da literatura, da música e do cinema serem áreas mais legitimadas, a crítica presente - sobretudo no Brasil - padece dos mesmos males que você identifica na gastronômica. A opinião ocasional prevalece - isso quando não há apenas a reprodução do release da editora ou da gravadora. Exemplo disso foi a recepção do livro recente de Chico Buarque - absolutamente destituída de qualquer critério de julgamento que não fosse total e explicitamente subjetivo. Independentemente da especificidade do campo gastronômico, o problema talvez esteja em algo mais fundo e tétrico: a dificuldade de afirmação da crítica em si, como procedimento analítico e interpretativo.
2. Ótima a lembrança de Vázquez Montalbán. E vale lembrar que, além da crítica direta de gastronomia, ele a fazia também de maneira sutil, mas bastante eficaz, na ficção. Nas comidas de Pepe Carvalho e na trajetória de Biscuter, seu empregado doméstico, ex-marginal que no último livro se torna consultor de restaurantes. Uma crítica gastronômica que privilegiava o tom humorístico e se imiscuía em leituras outras.
3. Apesar das limitações, arrisco dizer que temos, em São Paulo, pelo menos dois críticos gastronômicos que merecem o nome. E literários? Bom, vamos contar... Epa, lembrei de dois.
Abraços
Alhos,
obrigado pelas observações. No geral você tem razão, mas se incluir a Universidade como produtora de pensamento crítico (em literatura, musica, artes plásticas), o quadro não é tão tétrico quanto você traça.
Quanto a Montalbán acho que ele elevou a gastronomia à condição de tema da "alta cultura" (seja lá o que possamos entender por isso). Pepe Carvalho é seu divulgador, além de um ótimo personagem ficcional.
Talvez tenhamos até mais do que dois críticos entre nós. Mas também estou convencido que a crítica, no sentido que, parece, nós dois entendemos, não é ainda uma "necessidade" social. Dai ela navegar pela bússola do "gosto-não gosto" que é o norte magnético da imprensa diária.
abraços
Manuel (com U) Vázquez Montalbán. Sem U, é outro.
Abs,
Claudio.
Caríssimo, olá! Escrevi minha monografia de final de curso (turismo) com o tema "A COZINHA TECNOEMOCIONAL NO BRASIL" e estou precisando, para a apresentação, no dia 27 ter a lista do DECÁLOGO DA NOUVELLE CUISINE. Seria possível que o Senhor me desse esta lista? Também preciso falar mais detalhadamente dos "ISMOS" da COZINHA TECNOEMOCIONAL (perfeccionismo de Robuchom, Conceptualismo de Jacques Maximim & Jacques Torres, Gaignairismo de Gaignaire, o Naturalismo de Michel Bras e o Mediterranismo de Ducasse). Tenho mesmo neccessidade urgente desta ajuda, pois a minha apresntação é no dia 27 pela manhã...meu e-mail é idasusie@hotmail.com MUITO OBRIGADA!
Sou graduando em História pela Universidade Federal de Mato Grosso. Estou em busca, exaustivamente, de bibliográfia técnica sobre Crítica Gastronômica (Teoria da Gastronomia). Isso servirá para o mapeamento gastronômico de minha cidade, que, porventura, é objeto de um projeto de pesquisa em que me dedico. Muito grato estarei se me ajudar.
Meu e-mail: joesaturno@hotmail.com
Aguardo resposta.
Abraço.
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