A arte do chocolate exige mais do que dispor de boas matérias-primas, que é o que nos promete a próxima abertura de uma loja da Valrhona em São Paulo. Uma “loja conceito” como se diz. Isso significa melhores sabores, sem dúvida, mas não necessariamente uma chocolataria mais desenvolvida. Pode ser que a qualidade estimule ainda mais a preguiça: basta “fundir” o chocolate e lhe dar formas novas e pronto! Esperar os aplausos pela “qualidade Valhona” como se a qualidade industrial do produto imperasse sobre a de um mestre chocolatier artesão, que manipula o produto.
Esta investida da Valrhona significará o ingresso, no mercado, dos grands crus, que ela criou a partir de 1984: Manjari 64%, Taïnori 64%, Caraïbe 66%, Guanaja 70%, Alpaco 66%, Abinao 85% e os chocolates ao leite Tanariva 33% e Jivara 40%.
Os chocolates de origem ou “crus” surgem já posicionados no mundo gourmet, em oposição à tradição das “fundições” com base nas coberturas inespecíficas que sustentaram, durante décadas, a produção artesanal de bombons. Todos eles nada mais eram do que suportes para os achocolatados da Nestlé e da Garoto, sempre com índices ínfimos de cacau e excesso de açúcar e leticina de soja. Quando essas duas empresas constituíram, há alguns anos, um duopólio, adeus chocolate gourmet!!! É sobretudo por isso que a Valrhona é bem-vinda. Ao quebrar o duopólio, a qualidade se transformará.
No entanto, não sejamos caipiras: chocolatier é o artista que, trabalhando com um bom chocolate, produz seus produtos de confeitaria – especialmente sua coleção de bombons. Ele precisa produzir os clássicos e, ainda, inventar aqueles que serão sua marca. Não basta uma boa matéria-prima.
Poucos são os chocolatiers brasileiros. Quase nenhum.... Esses Chocolates (São Paulo, Rua Pascal, 1195), de Renata Arassiro, são honrosa exceção, embora “amarrados” ao uso do chocolate Barry Callebaut.
Mas, olhemos um pouco além-fronteiras. Para Buenos Aires. A Compañia de Chocolates busca recuperar a arte do chocolate, voltando aos crus e elaborando bombons primorosos. Em boa medida isso se deve a Daniel Uria, seu proprietário, e mestre chocolatier.
Uria que principiou como cozinheiro e confeiteiro, pode dedicar-se ao chocolate e desenvolver uma formação irretocável: ZDS na Solingen y Druven-Fabbri em Stolberg Vicht, na Alemania; no Culinary Institute of America em New Cork; na Valrhona Tain l'Hermitage na Francia. Mestre capacitado, pode abrir seu proprio negócio em Buenos Aires, voltado para a recuperação da alta cultura do chocolate. Abaixo segue o descritivo dos 24 bombons que produz.
Mas a Compañia de Chocolate não seria possível se não fosse a fábrica de chocolates Fênix – uma tradicional marca argentina, presente nos cafés e confeitarias locais há décadas. O jovem Rodrigo Salgado, herdeiro dessa tradição, tratou de modernizar a empresa e produzir seus próprios crus, alinhando-se com as tendências mundiais. São crus “orgânicos” (de cacau forastero, criollo, trinitario), em geral a partir de plantações latino-americanas. Assim, Rodrigo nos apresenta os crus: Bahia Superior, Rio Arriba, Esmeralda, Ocumare, Carenero Superior, Moxos, todos com teor de 70% ou mais de cacau, originários da Venezuela, Equador. Brasil e Bolívia.
Há dois anos, quando estive como Rodrigo Salgado, ele acenava com a possibilidade de produzir três diferentes crus brasileiros: Bahia, Espírito Santo e Pará. E estava entusiasmadíssimo por haver descoberto uma plantação antiqüíssima na selva boliviana, à qual só se tinha acesso pelo território brasileiro. Imaginava que fossem plantações do tempo dos jesuítas! Como começava a ter problemas como a importação do Ocumare, pretendia substituí-lo por este cru boliviano. Pois agora vejo este boliviano, o Moxos, aparecer ao lado da variedade Pará nos bombons de Daniel Uria.
É que Uria trabalha “verticalizado”: ele mesmo formula os blends de crus que utilizará em seus bombons... É ele quem reduz, por exemplo, o Bahia Superior dos bombons, dos 70% que Rodrigo Salgado produz a 42% e 35%. Ele formula para Rodrigo Salgado produzir com exclusividade a matéria-prima dos bombons. A Chocolates Fenix é a única empresa latino-americana a trabalhar do grão ao chocolate, controlando a colheita, os pontos de torra, etc.
Longa vida a essa dupla: Rodrigo Salgado e Daniel Uria. O mundo gourmet só tem a ganhar. Talvez mais do que pelo fato de termos entrado no “circuito Elizabeth Arden” da chocolataria, com o advento da loja-conceito Valrhona .
19/05/2009
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2 comentários:
Prezado Carlos Doria,
Gostei muito do artigo, entretanto gostaria que o nome Valrhona fosse apresentado corretamente, pois estamos ingressando no mercado brasileiro e nao podemos informar o consumidor erroneamente. Aproveito a oportunidade para informar os apreciadores dos produtos Valrhona que estaremos com uma instalaçao conceitual, comercializando os produtos Valrhona de varejo na Casacor/Casahotel 2009, no espaço 19 da CasaHotel, aguardo a visita de todos por la. Abraços.
Fabio Bonchristiano
- Socio Diretor Valrhona Chocolat et Lounge
Carlos Dória,
Interessante seu artigo sobre a arte do chocolate por tentar abrir a cabeça dos brasileiros sobre o que é realmente chocolate. Falar sobre Daniel Uria, é um luxo, porque é um grande chocolatier de vanguarda. Mas como chocolatier posso lhe dizer o trabalho de Uria na Compañia de Chocolate é muito diferente da empresa de chocolates francesa Valrhona. Pois Uria todos os genotipos de chocolate de diferentes partes do mundo para mostrar realmente a arte do chocolate. Mas o que a francesa faz é usar chocolate somente de um genotipo, o pior deles, compra barato e faz produtos gourmets e usa a tecnologia francesa. Isso para mim não é arte, mas pelo menos os brasileiros não vão ficar comendo somente Garoto e Nestle, né?
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