04/06/2009

O julgamento de Ferran Adrià


Basta ser grande para deixar de ser unânime. Cria-se também um enorme cordão de puxa-sacos. Isso é chato, incomoda. Mas, o que fazer? Adrià é grande, no sentido de que há um antes e um depois dele, mesmo que sua preeminência pareça sem fim.
Os livros de Miguel Sen (Luzes e sombras do reinado de Ferran Adrià, Senac, 2009) e de Manfred Weber-Lamberdière (As revoluções de Ferran Adrià, L&PM, 2008) poderiam ser considerados personagens de um julgamento histórico de Ferran Adrià. Acusação e defesa. Como na peça Marrat-Sade, transitamos no terreno da metafísica e da moral nesse cenário de prisão voluntária que é “A Cozinha”. O “desejo de isenção” fomenta a necessidade do julgamento.
Mas, por que ser isento? Por que decidir se Adrià mais se assemelha a Picasso ou a Dali? Qual a necessidade de estabelecer o justo valor do seu trabalho? Só mesmo se achássemos que a gastronomia se dispõe no terreno das urgências modernas. Se, ao contrário, ela se perfila ao lúdico, ao supérfluo, por que tanta agitação intelectual?
Certamente Adrià conseguiu destruir categorias de análise culinária que pareciam eternas, visto que úteis desde Carême e Escoffier. Junto com elas, vieram abaixo os críticos. Trata-se agora, me parece, de refundar a crítica, isto é, definir os novos pilares onde possa se assentar confortavelmente por mais dois séculos.
Esta a razão para se ler esses dois livros. Eles não são “justos”, no sentido que pretendem ser. Mas são necessários, no sentido de “obrigatórios” para aqueles que se ocupam, além dos pratos, com o discurso sobre eles.
Muito interessante, no livro de San, alguns insights sobre a culinária em geral: como os espanhóis ganharam a cena, o desconstrutivismo, o binômio Cataluña-Japão, a emergência do cru no prato ocidental, o pano de fundo cultural da mudança de vários hábitos alimentares e o nascimento de alguns modismos; o vinho “garage”, a rememoração de passagens proféticas de Alain Sanderens, etc etc etc. O autor, biólogo, tem estofo – ainda que não goste de Adrià por razões que não me comovem.
Já Manfred Weber-Lamberdière oferece uma espécie de história oficial. Sempre útil para sabermos como os personagens encadeiam, para consumo próprio, antecedentes e conseqüentes. Enriquecido por um posfácio do próprio Adrià, sobre as vanguardas de ontem e do amanhã.
De qualquer forma não é um julgamento irrecorrível. Sempre há o recurso ao Supremo Tribunal do Gosto.

1 comentários:

Claudia disse...

Nunca comi e pessoalmente não conheço ninguém que comeu Adriá. Falam, falam, falam, mas comer e poder repetir o prato que é bom ninguém consegue. Isso é tão repugnante. Fala-se sobre o que ele mostra e escreve-se sobre o que ele deixa ver. Subserviência Sei lá, "mó" esquisito essa adoração. Tendo a não gostar, não gosto desse estilão difícil, endeusado.

E pelo título o tal Lamberdière pirou, dizer que foi o Adria que fez da culinária arte é brincadeira, falta de consciência histórica para ficar no mínimo. Sei lá, cansei de Adriá, nunca comi, nunca gostei.

Até,

C.

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