03/07/2009

O resgate

Vira e mexe, quando aparecem um novo bar, restaurante, ou simplesmente o novo cardápio de uma casa já estabelecida, vêm acompanhados da expressão: “resgata a culinária nordestina”, ou “resgata receitas brasileiras”, etc. E daí segue-se um baião-de-dois, um escondidinho, uma banana com mel de furo, um pão que era feito numa padaria que já não existe, uma coisa banal assim.
O que quer dizer exatamente resgate? No Houaiss diz-se que é “libertar mediante o pagamento de quantia determinada” ou, ainda, “recolhimento de náufragos, passageiros de veículos sinistrados, cadáveres etc”. Acho que o sentido com que as pessoas usam em culinária é mais o de recolhimento de náufragos, de cadáveres.
No discurso gastronômico, é preciso acabar com essa mania de achar que aquilo que não está no ângulo de visão da classe média, morreu ou está em perigo. Há uma culinária popular viva, pungente, pujante, que simplesmente estava à margem do interesse dessas pessoas. Não é porque acordaram que o mundo precisa ser “resgatado”.
Há historiadores e antropólogos que, estes sim, às vezes se dedicam ao “regate” de coisas mortas, inativas. Nem todos, mas alguns - pois acham que é coisa válida para efeito de raciocínios sobre dinâmica cultural, para sustentar argumentos históricos, etc. Daí a saber se elas têm valor culinário presente é uma longa história.
Quem decide sobre isso são as pessoas que comem, não os intelectuais dedicados ao estudo da alimentação. Mas às vezes estes acham que os cozinheiros deveriam cozinhar tudo o que está escrito em papéis velhos, em cadernos de sinhás, ou é contado por velhos há mais de 200 quilômetros da casa do pesquisador... Acham que isso reforçaria nossa identidade.

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