02/07/2009

A Tailândia daqui


Essa coisa da Tailândia vem de longe. Veja só a jóia que a Nina Horta publicou faz mais de 10 anos!


A Tailândia é aqui, a Tailândia não é aqui
São Paulo, sexta, 6 de junho de 1997.

NINA HORTA

Há um restaurante novo e tailandês na cidade antiga. Tropeçando e torcendo o pé pelas ruas à procura dele, alguém lembra da velha queixa de um dos mais antigos frequentadores do lugar: "A única coisa que falta aqui é um corrimão". Pois viria a calhar.
O restaurante tailandês é perto do cais e faz lembrar a cidade na sua era hippie. Uma recepcionista vestida de Aladim com bustiê de crochê nos recebe numa sala que é um transbordamento de painéis e bordados e cortinas e colunas que dariam para sustentar um palácio.
Esculturas de dançarinas guerreiras em pose de xícara, o rosto para um lado, as mãos empurrando o ar para o outro e a perna dobrada contra o joelho. Não conhecemos a Tailândia, lá deve ser assim também.
Pedimos de entrada "chicken satays", espetinhos de escalopes de peito de frango. Como segundo prato, um peixe embrulhado em folhas de banana, feito na brasa.
Um garçom solícito, bonito, atende todas as mesas, que não são tão poucas. Há todo tipo de gente, como costuma acontecer nesta cidade à beira-mar plantada.
Chega a cerveja e está quente. Reclamo e a Aladim sorri e caminha com passinhos de robô sem tomar providência nenhuma.
Casais estapafúrdios namoram e pedem sucos de manga, mas a nossa entrada não chega nunca. Acho que há que se estar apaixonado para ir a restaurantes, quando nada importa, tudo tem graça e cor.
A moça de óculos, intelectual que tomava uma sopa gostosamente, estacou, surpresa, e chamou o garçom bonito, apertando uma coisa que achara na comida entre os dedos.
Podia-se quase ouvir o barulho da engrenagem do cérebro dele para explicar o que era aquilo. Afinal, saiu-se bem. "Raiz de lótus. Um pedacinho de raiz de lótus." Menos mal, exótico.
E a entrada não chegava. Isto já me aconteceu em outros restaurantes tailandeses do país. Qual o mistério deste espetinho de frango? Se alguém colocá-lo sobre um palito de fósforo aceso consegue fazê-lo ao ponto. Chegou esturricado e sem sal, mas chegou.
O segundo prato, o tal de peixe, era uma brincadeira. Um peixinho mínimo daqueles que só gato consegue comer e que nunca havia passado por brasa nenhuma. Tinha por cima um molho de tomate, coentro e pimentão.
Não aguentamos e chamamos o garçom criativo. Ele já chegou perguntando: "Querem que eu vire o peixe?". Queríamos. Quem sabe do outro lado...
A engrenagem inteligente começou a ranger de novo: "Por incrível que pareça há um consenso culinário que diz que tanto aves como peixes são melhores quando muito jovens. Este aqui é um robaliiiiinho".
Ficamos contentes por não termos pedido um frango assado, pois seguindo a teoria, teríamos um "pintiiiiinho" arrancado da mãe galinha. Garçom esperto.
A sobremesa era abóbora cozida com leite de coco, mas demorava para fazer e a conta veio apresentada sobre uma folha de bananeira, um ramo de primavera e uma trufa congelada.
Outra arapuca tailandesa. A Tailândia não é aqui, com certeza.

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