Costumo brincar dizendo que a Tailândia é um país imaginário, como a Bulgária do escritor Campos de Carvalho. Culinariamente um reino da imaginação em expansão mundial.
Aqui, abriu agora o Marakuthai. Veio da ilha Bela. A chef, Renata [foto], que também veio de lá, é uma princesa de 20 anos. Precoce. Já aos 17 anos começou a provação que incluiu o ritual de passagem: quatro meses em Barcelona, três no sul da França. Assim é que se faz um chef, não é mesmo? Sete meses fora de casa, longe da família, é, para adolescente, uma provação e tanto. Mas não esteve na Tailândia, o que me reforça na idéia de que se trata mesmo de um país imaginário.
Diz o Josimar, que já foi conferir o restaurante, que ele é um tailandês do tipo que se dedica a “servir pratos contemporâneos com inspiração tailandesa, refletida em ingredientes, como coco, gengibre, pimentas, arroz jasmim, e no uso da panela wok. Na prática, é uma inspiração mais de forma do que de conteúdo, uma sugestão asiática que não se reflete tanto assim nos sabores, que aqui são bem mais tímidos”. Quer dizer: na imaginação do Josimar, a Tailândia é heavy; na da moça, soft. Isso é o bom de ser imaginário. Cabe tudo.
Enquanto os chefs têm como ideal o conhecimento profundo de certas culinárias (brasileira, francesa, italiana, japonesa, chinesa, etc) e o mercado valoriza chef formados "autenticamente" nessas tradições, através de profundos mergulhos vivenciais, o mesmo não ocorre com a comida tailandesa. O mercado admite que este seja um sistema referencial "aberto", passível de inúmeras leituras que nada(ou muito pouco) têm em comum com a "tradição".
Um dos mais importantes livros de culinária, o The complete Asian cookbook, de Charmaïne Solomon, surgido no distante 1976, mostra uma Tailândia de comer bem diferente do que se vê por aqui. Na ausência de uma culinária muito sistematizada, as receitas foram observadas e descritas. Grandes chefs de hotéis e membros da nobreza tailandesa serviram de cobaia. Pois bem, das 49 receitas compiladas só encontrei 3 onde o gengibre é ingrediente. Vai ver Solomon não gostava de gengibre, e imaginou uma Tailândia toda sua...
Por mais ginástica que se faça, todas as cozinhas gravitam em torno de uma das três civilizações ou sistemas alimentares: a Índia, a China e o Ocidente. A Tailândia gravita em torno da China. Tudo o que é banhado pelo Mar da China é, estruturalmente, cozinha chinesa. Claro, alguns ingredientes fazem o papel de marcadores dos sistemas culinários específicos dos vários países.
É justamente porque resumem diferenças (história, língua, culinária) que são países diferentes.
Como o Camboja, a Tailândia também é território do antigo Império Khmer, que o Ocidente julga bárbaro. Mas a sua culinária é apresentada como o “lado ternura” dessa barbárie que estigmatizou o Camboja. E ainda produz muita cana, brinquedos, plásticos, computadores, sapatos, eletrônicos. Esses gadgets todos e essa cozinha imaginária cujo brilho, em boa parte, se deve à pimenta vermelha das Américas.
Claro, esse meu comentário é também imaginário. Pois bom mesmo é uma boa comidinha, com coco, pimenta – se quiser, gengibre – sem a leseira do azeite de dendê, uma boa conversa entre amigos, muita risada, e estamos conversados. Mas se for ao Marakuthai, evite apenas o “sorvete com calda de Nutella, pedacinhos de Ferrero Rocher, calda e amêndoas” para não despencar da fantasia para o duro chão do junk food.
02/07/2009
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