04/08/2009

O padeiro

Lionel Poilâne foi o homem do pão. Responsável direto por uma das poucas filas prazerosas que se pode fazer, ainda hoje, diante da padaria inaugurada por seu pai, na rua Cherche-Midi em Paris. O mesmo lugar das horríveis filas por pão durante a Segunda Guerra.
A padaria foi aberta em 1932 e, como não fechou durante a ocupação alemã de Paris, depois da guerra seu pai foi acusado de ser colaboracionista.
Mas Lionel Poilâne é hoje visto como quem resgatou o pão do seu lento declínio como ocorria na França, e, nesse exato sentido, é verdadeiramente um herói da resistência. Além disso, recuperou 38 dos 80 pães regionais franceses, que caiam em esquecimento.
Dizia ter vocação para piloto, não para padeiro. E morreu em 2002 pilotando seu helicóptero, em direção à sua ilha particular, na baia de Cancale, na Bretanha. O que nos ficou foi sua habilidade com as massas, não com as máquinas de voar.
Apesar de haver inventado um pão de dois quilos que leva seu nome, considerado o melhor pão do mundo, suas receitas de pão praticamente inexistem. Ele fazia o pão “a olho”, misturando água, farinha e fermento, acompanhando o desenvolvimento da massa cheirando e apalpando. Preferia o fermento espontâneo, feito domesticamente, que garantia uma fermentação mais lenta, dando ao produto um aroma frutado e ácido impossível de se conseguir de outra maneira.
Sua farinha predileta era a cinza, próxima da atual “integral”, obtida por peneira específica para farinha. Dizia que o pão branco tornara-se um ícone depois da guerra, por oposição aos pães de farinha grosseira que predominaram no período. A farinha branca virou um sinal de status burguês, ao passo que a farinha integral passou a ser vista como ingrediente dos pães de pobres.
Poilâne não entendia porque o pão não recebia um tratamento gastronômico como o vinho. Bastava observar a bibliografia sobre ambos. Mesmo assim, conseguiu reunir mais de 2.000 volumes sobre pão, na biblioteca de sua ilha privada. Em 1981, escreveu o Guide de l'amateur de pain – obra fundamental que, infelizmente, os editores brasileiros ainda não descobriram.
O livrinho destrói muitos dos nossos mitos sobre o pão. Por exemplo, ele não acreditava ser possível fazer um bom pão em escala doméstica, mesmo utilizando fermento artesanal (endógeno). Para ele, a escala mínima para se fazer o bom pão é de sete a dez quilos. Claro, se pode fazer para a semana toda e congelar!, recomendava numa solução de compromisso.
Muito interessante sua reflexão sobre o sanduíche. “Se aceitamos a definição de que uma refeição é a alimentação que inclui o pão, o sanduíche é a refeição onde o pão inclui a alimentação. Entre a refeição e a anti-refeição existe uma espécie de compromisso: a pizza”.
Poilâne é a dignidade do pão que resiste à vida plana a que a industria da panificação o relegou.

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