O açúcar cristal, ou açúcar de usina,
mostra a mais instável das brancuras:
quem do Recife sabe direito o quanto,
e o pouco desse quanto, que ela dura.
Sabe o mínimo do pouco que o cristal
se estabiliza cristal sobre o açúcar,
por cima do fundo antigo, de mascavo,
do mascavo barrento que se incuba;
e sabe que tudo pode romper o mínimo
em que o cristal é capaz de censura:
pois o tal fundo mascavo logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
Se os bangüês que-ainda purgam ainda
o açúcar bruto com barro, de mistura;
a usina já não o purga: da infância,
não só depois de adulto, ela o educa;
em enfermarias, com vácuos e turbinas,
em mãos de metal de gente indústria,
a usina o leva a sublimar em cristal
o pardo do xarope: não o purga, cura.
Mas como a cana se cria ainda hoje,
em mãos de barro de gente agricultura,
o barrento da pré-infância logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
João Cabral de Melo Neto,Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 356.
13/09/2009
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2 comentários:
Delícia encontrar os versos de João Cabral por aqui! Outro poema dele incrível e retrata bem o duro ofício da criação poética é "Catar Feijão", encontrado na citada Obra completa.
Esta edição da Nova Aguilar em papel bíblia é um presente aos leitores fãs da boa leitura.
Parabéns mais uma vez, Dória, pela enorme gama de opções que você oferece aos leitores.
Ana Paula Bousquet
LINDOO!!!
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