06/11/2009

A dificuldade das sobremesas

As sobremesas formam o capítulo mais difícil de uma refeição completa. A dietética moderna cercou-o da noção de “abuso” ou excesso. Depois da sobremesa, a culpa e a malhação. Pecado e penitência.

Tomando-o como um pecadillo, os chefs muitas vezes caem na tentação de recobri-lo de apelo infantil, como se um pecado venial não fosse propriamente um pecado. E ai vem toda uma família de doces: chocolate (nutella mais especificamente), doce de leite, brigadeiro, sorvete de creme, crepe. A evocação da infância é o exercício da inocência como auto-engano à mesa.

Para os clientes que gostam de pecar hard, os pervertidos do gosto, temos os clássicos: mousses, creme brûlee, tiramisu, etc.

Por fim, há a opção das “frutas da estação”, um final sem pecado em anti-climax: melão, abacaxi, papaia ou manga, qualquer que seja a estação. Isso porque atentar para as estações, oferecendo a pujança das suas frutas, especialmente brasileiras, seria deixar de punir aqueles que se furtam ao pecado propriamente dito que é oferecido nas formas infantis e clássicas. Afinal a refeição gastronômica é vista como um exercício gozoso, e não apenas nutricional.

A fruta é entendida como um “desvio” da sobremesa. Você se sente desprezado, um cliente de segunda classe. Ou já lhe ofereceram um maracujá doce, um caqui, um caju suculento e maduro, uma atemóia, figos doces ou jabuticabas?

Eu me contentaria com um talegio com mel, ou uma pêra com pecorino. Adoraria que os chefs se dessem conta que estamos na estação dos pêssegos e pensassem em homenagear Escoffier, reproduzindo o verdadeiro Pêche Melba e esquecendo momentaneamente do pêssego em calda.

Emaranhados em equívocos, vivemos a pré-história da arte das sobremesas. Falta, no staff dos restaurantes, aquela pessoa especializada – o pastry chef - que só pense naquilo: nas formas modernas do pecado. Falta quem pegue nossas frutas, nossos meles e nossas massas pelos chifres, domine-os e os apresente à mesa como formas de raro prazer diante do qual o pecadillo valha a pena no cálculo da economia calórica.

Jordi Roca e Christophe Michalak que estiveram no Mesa Tendências, com a palavra...

4 comentários:

Eduardo Tristão Girão disse...

E é impressionante como a maioria ainda não conseguiu se libertar das quantidades cavalares de açúcar. Não reclamo por causa da preocupação com a saúde, mas em nome do desejo de, ao final da refeição, comer algo que reflita o mínimo de esforço em torno dos tais "chifres".

com meus botoes disse...

Nem precisamos chegar aos Talegios ou Pecorinos, se me permitir mando aqui minha simplória porém deliciosa sugestão:
1 rodela de ricota grelhada num dedinho de boa manteiga até dourar, recoberta pela mistura de polpa levemente amassada de figus maduros e 1 dedinho de vinho do porto seco e regada com 1 fio de mel...sofisticado, barato e totalmente sem açucar refinado.

e-BocaLivre disse...

Girão,
refinar sem açucar refinado, eis a maior dificuldade da maioria dos chefs.

Unknown disse...

Acho triste que muitos chefs achem confeiteiros profissionais de segunda classe. Preconceito infantil como as sobremesas que servem....

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