Outro dia escrevi aqui que vivemos a pré-história das sobremesas. Mas não havia lido a pequena e interessante entrevista de Fabrice Le Nud na Prazeres da Mesa de junho passado, onde o pâtissier procura explicar porque conquistamos o último lugar na Copa do Mundo de Confeitaria.
“Ouso dizer que a confeitaria brasileira ainda não foi inventada. Ela não tem uma personalidade”. Ele acha que falta o Alex Atala da confeitaria, apesar da riqueza de ingredientes, que vai do cupuaçu e bacuri até o simples leite. Mas um ambiente favorável não é fruto da natureza.
E como se cria um ambiente favorável? Em primeiro lugar, bebendo na tradição. Trazendo os pâtissiers estrangeiros para podermos beber na fonte. Por exemplo, Stephane Klein, o gênio do açúcar; Jean Paul Hévin, o do chocolate; aprendendo o básico, como ensina a escola Gastón Lenôtre. Enfim, é preciso dar um basta aos “doces de padaria" e à caricatura de tradição vienense em que se apoia; saber fazer à perfeição um sorvete de baunilha e começar a criar, sem invencionices bobas.
Claro que isso dependa das estruturas de ensino (atenção, faculdades!), da celebração em torno do tema (atenção Mesa Tendências e Paladar!); da determinação dos jovens, pois, como ensina Le Nud, “um aprendizado básico leva dez anos, no mínimo”. Os chefinhos aguentam um percurso assim, sem o glamour imediato e o reconhecimento que o capítulo dos salgados oferece?
Acho que falta também reconhecer uns poucos talentos dispersos, como a Andrea Ernst, de Porto Alegre – que pouca gente, além da Neca Mena Barreto, já ouviu falar, mas que, entre outras coisas, desenvolveu um excelente pó de erva mate para confeitaria. E faz os melhores macaron do Brasil (desculpe, Fabrice).
Por fim, uma nova atitude do público, mais atento e exigente. Que tal recusar o lixo da pâtisserie desde já? Digo, os ingredientes como o leite condensado, a nutella, a margarina, o sorvete de creme industrial, o excesso de açúcar... Isso tudo e muito mais que constitui o túmulo da criatividade e da excelência em matéria de sobremesas.
09/11/2009
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14 comentários:
Enfim, alguém levanta essa bandeira! A confeitaria no Brasil está engatinhando ainda... Muito, muito longe do que há de bom no mundo em matéria de doces. E me entristece perceber que é um assunto que acaba sempre ficando em segundo plano por estas bandas... Chocolate, por exemplo. Até a Pralus, sinônimo de excelência em chocolates, tem um tablete 100% de grãos brasileiros. Por que é que não nos debruçamos sobre aquilo que é nosso? A Samantha Aquim, aqui no Rio, vem estudando pra desenvolver seu próprio chocolate, mas é uma em mil... É pena, mas acho que ainda não temos muita gente interessada no assunto.
Concorda totalmente, recusemos o lixo da patisserie.
Enquanto a ANVISA quer boicotar a flor de sal, esse maldito Nutella está em todo lugar.
Vou entrar nessa campanha
aH CARO Carlos, minha tia que mora na França diz que os macarons da Andrea são melhores que os franceses...e po de erva mate, só ela mesma que faz.
Eu tive o privilégio de provar os macarons na Chef Andrea e sempre há aquele momento de comparar com muitos outros que já experimentei. Sem dúvida, nunca provei melhor. A Chef Andrea tem o tempo exato da perfeição. Parabéns.
Mas ao mesmo tempo, fico pensando que a patisserie deveria ser muito mais estudada, debatida, em especial, não sei se você compreendi. Um país grandioso, deveria ter mais patisseris tão grandiosos quanto a simatissíssima Chef Andrea.
Chef Raffa Leal
Ana,
eu sei. Por isso digo aqui: talento isolado lá nos pampas.
Olha,
o Brasil pode estar na pré-história das "sobremesas francesas", os doces vienenses e afrancesados da padaria do neto do português podem estar ultrapassados e rançosos mas acho que nada disso tem a ver com a copa do mundo de culinária. O sujeito que ganhou este ano vive aqui perto e ninguém o conhece, nem come ou conhece o que o sujeito cozinha. Misturar copa do mundo de culinária com doces de padaria não combina, e não faz sentido. As 3 ou 4 vitórias da Noruega na copa do mundo (é o país que mais ganhou depois da França) não tem nada a ver com o que se come nos restaurantes deste país. Muito pelo contrário. Num país de 4 milhões de negos educados e bem nutridos eu imagino que uns 3 ou 4 saibam quem é Geier Skeir se forem perguntados na rua. As vitórias não representam o país, representam o indivíduo, venha investigar por sua própria conta e que diferença faz se não sabemos comer sobremesa a francesa?
Meu ponto é, ninguém precisa de tutor francês a essa altura do campeonato para desenvolver sobremesas e nos ensinar a comer nossas frutas ou produtos sem entender nada do gosto do povo. Ah, sim, os tutores vão ensinar a elite obediente a comer, então tá, e a elite ensina o povo nas faculdades de chef...
Tem que engolir e quebrar a cabeça para entender a sobremesa que se come nas ruas. O Brasil é um país onde fruta é sobremesa e mesmo que mulambamente montada ao redor das compotas e das frutas, do açúcar puro e do queijo fresco isso é cultura.
Acho que é difícil para a gente da elite, que baba pela sobremesa servida na mesa dos outros, aceitar o processo da sobremesa brasileira, sua falta de personalidade francesa quando exposta em palco francês, mas acreditar que são as faculdades e a importação de franceses que vão fazer verão por aqui é mais do que equívoco, é burrice.
O Atala, que você menciona, é um exemplo disso. Exatamente como o Geir Skeier, é um talento individual, isolado, formados por paixão e dedicação. O Brasil não precisa de tutores para formar mais uma leva de chefs obedientes na escola, o epicentro da subserviência afinal de contas, na minha opinião precisa de comedores apaixonados pelo país em que vivem e com muita fome de experimentar. Exatamente assim fazem os franceses que não acreditam em escola de culinária, produto que eles exportam para gente que não sabe cozinhar...
E não me venha fazer graça com "erudito"...
C.
Claudia,
não entendi: afinal você acha que é uma boa pâtisserie, que o açúcar é bem dosado?
Carlos Dória, fiquei muito honrada com o teu reconhecimento e sem palavras para descrever minha emoção. Percorrer o longo caminho da pâtisserie é uma opção pautada na paixão que busca incessantemente o aprimoramento e só se justifica pela troca de emoções com quem degusta e por surpresas como o teu texto, que fazem valer TUDOOOOOO! Gracias!!!
Ah, o meu produto de erva mate também pode ser usado na cozinha salgada com excelentes resultados.
Já tive o prazer de experimentar os macarons da chef Andrea Ernst, bem gaúchos, de erva-mate, ou bem tupi-guarani, de passion fruit, quero dizer, maracujá... deliciosos, independentemente da nacionalidade.
Faz algum tempo que conheci o talento da Andrea (2005). Não a chamo de chef, sem qualquer demérito, é uma questão minha quanto ao conceito do que é realmente um chef. A excelência dos macarons que a Andrea faz é reflexo da dedicação que ela imprime em seu trabalho também com salgados, mas principalmente em relação à confeitaria. Envolve pesquisa, como a que a levou ao uso da erva mate e da fava tonka. O caminho é longo, mas prazeroso. Que bom que mentes e textos brilhantes como este do E-Boca Livre estão atentos e abrindo caminhos. Elis Regina já bradava aos quatro ventos, brincando com sotaque gringo: "O Brazil não conhece o Brazil. O Brazil.. S.O.S ao Brazil". Enquanto continuarmos olhando somente pra o que vem de fora, sem atenção para as riquezas que temos, talentos como a da Andrea ficam à margem da mídia até que surja um queridinho da mídia para dar o aval ou tomar o espaço. Parabéns pelo trabalho, Dória. És sempre uma inspiração.
Rejane,
também tendo a achar que "chef" sempre remete à estrutura militar. Quem tem chefe é soldado.
Onde você escreve "fava tonka" não seria melhor "cumaru"?
É que por incrível que pareça, os poucos que a conhecem falam mais em fava tonka do que cumaru, isso nos grandes centros urbanos e acadêmicos. Em Santarém, onde parece que se encontra "de tudo" cumaru é a referência mais conhecida. Bom, devo dizer que minha busca no Norte foi bem limitada ... um dia, ainda faço uma expedição realmente séria em busca de iguarias perdidas... Sobre chef, minha "birra" não é com a palavra em si, que vem mesmo de uma estrutura militar, como quase tudo na organização de uma cozinha/empresa ( dólmã, brigada, etc). Eu só acho que chef de verdade são poucos. A palavra está banalizada. Todo mundo quer ser chef! Existe uma bela geração de ótimos cozinheiros, talentosos, criativos,mas sem estrada, sem experiência de comando, entre outras, e que já se autodenominam "chef". os próprios cursos e escolas de gastronomia "vendem" a idéia de se formar "chef" em dois anos!
Hum militar ou não, seja na cozinha ou na empresa, sempre há que existir a hierarquia.
Eu não sei nem se precisa de curso pra ser Chef, porque mais do que titulo e diploma é preciso colocar alma e amor no que se faz, principalmente na cozinha e isto, a Andrea, tem de sobra, além do estudo e talento.
O comentário sobre o uso do termo "chef" não tem nada a ver com a Andrea cujo talento e qualidade de trabalho são inquestionáveis. Basta provar os macarons e outras criações que ela já fez por aí!!
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