18/02/2010

Aprender a cozinhar: reflexões de um cozinheiro

Um amigo leitor, cozinheiro profissional, comentando os ultimos posts, me chama a atenção para os livros de receita e sua utilidade. Ele não concorda que o Larousse gastronomique possa substituir ¾ da minha biblioteca de livros de receitas: “por mais que receitas entrem em desuso, elas sempre trarão consigo a segurança de um resultado garantido. Principalmente para um aprendiz que é cobrado por resultados por família, amigos, etc”.

Ele concorda com a divisão do ensino em ingredientes, técnicas e receitas, mas diz que, para tanto “seria necessário que alunos de gastronomia passassem muito tempo na faculdade. E visto que gastronomia é um curso caro, e por natureza uma forma de artesanto elitista, não há e nem tão cedo haverá interesse em mudar isso por parte das faculdades. Elas querem formar mão de obra semi qualificada o mais rápido possível. E um aluno de gastronomia quer aprender receitas o mais rápido possível, pois dentro de cozinhas profissionais um cozinheiro é cobrado por seu repertório e capacidade de execução. Portanto, se há uma busca pelo ingrediente e técnica, ela parte do chef. Não vejo um chef ensinando seus cozinheiros a pensar. O que um bom chef busca e sempre buscará é um excelente executor para suas receitas”. E ele acrescenta outras jóias.

“Não temos no Brasil, uma demanda por cozinha de autor. Até mesmo nossos críticos não sabem avaliar uma cozinha de autor. Quando abrimos uma revista ou jornal com uma crítica, sempre percebemos as mesmas linhas de avaliação: ambiente legal ou ruim, serviço lento, bons grelhados ou massas bem executadas, sobremesas no ponto ou com muito açúcar. Não se consegue distinguir um trabalho individual e apenas indicar a qualidade da comida oferecida”.

"Também penso que o público busca ícones quando vai comer. Você conhece alguém que vai ao DOM para comer gel de tomates verdes especificamente? Quando o público busca um restaurannte para comer – claro, há exceções - busca ícones da gastronomia: paleta de cordeiro, filé mignon, fettucine ao pomodoro, etc.. E o público reconhece um bom chef com base na execução perfeita desses pratos”.

Bom material para reflexão, especialmente por vir de alguém com a mão na massa...

4 comentários:

Mariana Marcial de Almeida disse...

Olá Carlos, em primeiro lugar parabéns pela sequência de textos, estou acompanhando fielmente. Penso que, sem dúvidas, dominar uma cozinha não é saber executar receitas, técnicas e ingredientes. Afinal, não funciona como um manual de uso - ou pelo menos não deveria. O que realmente conta é a essência, a história e a cultura de cada elemento na cozinha. Assim como, a história de vida de quem está com a colher na mão. De que adianta ter a receita de um feijão tropeiro, se a cultura desse prato não é levada em consideração, não é respeitada! Não é só misturar feijão com farinha. Mas, sim, saber a origem do prato, saber que o Zé da farinha aprendeu essa arte com seu avô e saber que esses valores devem ser passados adiante, principalmente, pela comida que será servida. Grande abraço!

com meus botoes disse...

Volto ao meu comentário de alguns posts atrás, cozinha vem antes de tudo da alma e isso não se ensina em escola alguma.
As eescolas especializadas deveriam ensinar esses poucos privilegiados a explorar a riqueza que vem em cada um independente de qunato tempo isso possa levar, afinal o aluno está , em teoria pagando.
Assim como cada verdadeiro cozinheiro, chef ou não , amador ou profissional, reflete em seus pratos parte de sua história, o mesmo se dá com ingredientes e preparos tidos como classicos.
Impossivel existir boa cozinha sem história e aí
reside um importante papel dos livros especializados.
Para mim , sem dúvida alguma os melhores serão sempre os que , ao invés de receitas e formulas, dissertam sobre origens desse ou daquele ingrediente, sobre a forma como foram trazidos até nós durante seculos de lutas e guerras, sobre como e porque um habito de consumo se introduziu numa sociedade em determinada época e assim por diante.

Leo Beraldo disse...

Na coluna da Neide Rigo na Folha, ontem (18/02), lembrei desse seu texto, enquanto ela dava uma resposta parecida (mas um pouco menos paciente) para quem queria saber que frigideira usar.

Patrícia de Gomensoro Malheiros disse...

Caro Dória, também acho essa discussão bastante pertinente e já há algumas semanas vinha pensando em escrever a respeito no blog Cadernos de Cozinha... Comentando as opiniões de seu leitor, concordo que em muitos restaurantes (acredito que ainda na maioria) o que se valoriza no cozinheiro é sua capacidade de executar fielmente a receita do chef. Afinal, gastronomia profissional é, sim, produção em série. Mas acredito que apenas chefs não esclarecidos possam esperar APENAS ISSO de seus subordinados, e não a capacidade de compreender mais a fundo as receitas executadas a ponto de saber "descostruí-las" e, assim, também propor alguma coisa. E na cozinha profissional, o que vejo atualmente é que só evolui quem ultrapassa o papel de mero executor, quem busca conhecer a fundo técnicas, ingredientes, bases clássicas, história... mais do que apenas receitas. É para este perfil, creio, que aponta o futuro da gastronomia no Brasil (vide o exemplo de chefs como Atala e Sudbrack), ainda que a longo prazo.

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