05/04/2010

Dó do dodô não dá

A preservação da biodiversidade é um objetivo da gastronomia. Muito das coisas que apreciamos reside no detalhe de uma ou outra espécie, raça animal ou vegetal. As mangas, por exemplo: quanta diversidade se perdeu no Brasil ao se industrializar seu cultivo, desenvolvendo umas qualidades (ausência de fibras, cor) em detrimento de outras (sabor, aroma)!

O mesmo acontece com os animais que desapareceram por exaustão ou predação de uma espécie (estrujão, etc); por destruição do seu habitat; vitimados por defensivos agrícolas (codornas, perdizes, lebres, etc); por terem caído em desuso ou, ainda, por falta de técnica para melhor prepará-los na cozinha.

As raças brasileiras de mamíferos, desenvolvidas ao longo da nossa história e que merecem atenção e esforços de preservação, são:

Bovinos: mocho nacional, pantaneiro, curraleiro, crioulo lageano, sindi, patuá, caracu.

Bubalinos : baio, carabao.

Caprinos: canidé, gurgéia, moxotó, marota, repartida

Ovinos: crioulo lanado, santa Inês, morada nova, rabo largo

Suínos: moura, monteiro, tatu, casco de mula, canastra, caruncho, piau, pirapitinga, nilo.

A este repertório de raças históricas soma-se outro, bastante extenso, de raças modernas (como as bovinas nelore, gir leiteiro, etc). O importante, culinariamente falando, é que elas, até hoje, não foram objeto de tratamento sistemático, de análise organoléptica, de sorte que por um costume pouco racional, entende-se, por exemplo, que as raças de ovinos uruguaios, argentinos ou australianos sejam superiores às brasileiras - sendo que não se conhece nenhum tratamento comparativo sistemático. Provavelmente, ao se privilegiar a produtividade perde-se em outros caracteres.

Por isso, muito provavelmente, verdadeiros valores presentes sequer são percebidos; é o caso do porco da raça “nilo”, que tem a mesma origem genética do porco negro ibérico, tão valorizado na produção do presunto “pata negra” a partir da alimentação específica com bolotas de carvalho. Muitas das raças brasileiras de porco encontram-se em extinção, graças à tendência que valoriza a carne em detrimento da gordura.

Desse modo é possível dizer, sem medo de errar, que uma culinária brasileira que se concentre nos ingredientes é obra ainda por se fazer, seja partindo de manchas de ingredientes disseminados pelo território em vários ecossistemas, seja partindo de espécies vegetais ou animais domesticadas cujo processo de raciação foi desenvolvido no Brasil.

Não dá para a biodiversidade se apoiar na consciência culpada, no dó do passaro dodô. É preciso ações preservacionistas, como a orientação gastronômica pode imprimir em relação às raças e espécies ameaçadas e de valor culinário.

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