06/07/2010

Bahia, a dessemelhante

Estou me dedicando a estudar a culinária do Recôncavo Baiano. Comecei relendo o primeiro livro sobre o assunto – A arte culinária na Bahia, de Manoel Querino (Bahia, 1928), que ganhei da querida Nina Horta. É surpreendente que ele tenha um capítulo que se chama “Dos alimentos puramente africanos” que enumera apenas 23 pratos.

Segundo esse negro autodidata, homenageado como personagem de Tenda dos milagres, de Jorge Amado, os pratos puramente africanos eram (mantenho a grafia): acassá, acaragé, arroz de aussá, efó, caruru, écurú, xin-xin, bolas de inhame, bobó de inhame, feijão de azeite, aluá, dengue, ebó, latipá ou amori, abará, aberém, massa, ipetê, a´do, olubó, oguedé, efum-oguedé, eran-paterê. Da maioria, pouco ouvimos falar.

Já no livro Receitas tradicionais da cozinha baiana, da nossa cara Ligia Junqueira (que não sabemos ainda se existe ou não existe), há mais de 200 receitas.

Entre um livro e outro, temos o terreno da mitificação em torno da “cozinha baiana” como criação dos negros. Manoel Querino tinha consciência que não era assim. Mas, com o tempo, e com muita simplificação, perdeu-se o espírito crítico.

Vou procurar entender essa trajetória. Estou à caça do meu Darwin Brandão, que não acho (emprestei?). Mas, em compensação, encontrei o livro do Restaurante do Senac no Pelourinho. Acho que é um repertório suficiente. Ou não?

9 comentários:

Jag disse...

Cad, gostaria de considerar algumas coisas: 1-Querino, na época, pode não ter feito levantamento tão exaustivo sobre os pratos africanos todos. Ele foi um grande pioneiro, mas nao era pesquisador de um tema só, nem talvez tivesse método de pesquisa muito rigoroso. E vieram outros pesquisadores depois dele. 2- Ligia chama de pratos africanos ou de pratos baianos? Essa é uma dúvida.

e-BocaLivre disse...

1. Claro! Mas queria definir um conjunto de pratos; dele os demais analistas devem ter partido; 2. "baianos" com "influência" africana. Me diz: o que quer dizer "influência"?

Jag disse...

Penso que se eu faço um prato qualquer e uso um ou dois ingredientos africanos, pois vindos de África e usados em pratos de lá, estarei fazendo algo com influencia africana, não? Não necessariamente o prato é africano. Vou dar uma espiada no Fluxo e Refluxo, de Verger, para ver se em algum momento ele menciona pratos africanos.

e-BocaLivre disse...

"Ingredientes africanos". Então a classificação é por origem dos ingredientes? Ok! E se os colonizadores os trouxeram? Quais as espécies - animais e vegetais - africanas? Galinha d´Angola é prato de "influência africana"? E assim seguimos...

Anônimo disse...

Dória,
qual África?
O referente genérico foi inventado pelos europeus, a bem da verdade, no XIX e precisou nublar as diferenças internas para se afirmar.
Quem veio da África para a América também foi para o Caribe, Venezuela, sul dos Estados Unidos, Uruguai (sim, Uruguai) e tantas outras partes, além do Brasil.
Aqui, misturaram-se negros procedentes de diversas regiões e grupos do continente africano, obviamente com tradições alimentares distintas.
Em resumo, com ou sem pimenta, com ou sem pesquisa mais aprofundada do Querino, qual África?
Abraços!

e-BocaLivre disse...

Alhos,
você tem toda razão! Africa = destino dos navios negreiros. Os negros que chegaram ao Brasil: sobre eles Querino e Nina Rodrigues sequer estão de acordo de quais mais "contribuiram" para a culinária. Tenho para mim que o mais interessante é a influencia dos malês, islamizados.
Abraços

Jag disse...

Os negros gostariam muito de poder dizer de qual Àfrica. Mas houve um grande esforço para que sua origem não fosse recordada -muitas vezes, eram chamados pelo nome dos portos de onde saiam.
Doria, sim, se os ingredientes vieram com os colonizadores, podemos dizer "de origem portuguesa". Ou não? Como, alias, já dizemos.
É claro que influência não se refere apenas a ingredientes. Dei um exemplo, pensando no dendê. Se inventarem mil pratos com dendê, nao posso dizer que sao pratos africanos só porque têm dendê. Nesse caso, podiamos explicar por que Ligia cita pratos baianos que Querino não cita --não existiam no tempo dele.
Mas ha uma coisa a registrar : falamos de uma culinária com menos de cem anos. É possível que, ao completar 200 ou 300 anos, ninguém mais diga que é "de influência africana".
Finalmente, depois de Querino e Nina houve um século de pesquisas; e embora os malês tenham organizado a Revolta conhecida pelo nome deles, não foram predominantes. Se é comida de terreiros, não é proveniente dos Malês.

Jag disse...

PS.: Se Ligia diz pratos baianos, ela não diz pratos africanos. Certo?
E, afinal, quem é Ligia Junqueira? O quanto rigorosa era na sua denominação de pratos? E de quem ela pesquisou? Aposto que nem cita fontes.

Claudia disse...

Dória,

Eu não acho que exista história possível a ser feita a partir desses livros de culinária. Acho que você deveria se mandar já para o recôncavo para comer a influência in loco e depois ir direto para a Nigéria, Benin, Angola e os Congos provar e analisar a comida do refluxo de perto você mesmo. Antes que as coisas na Africa mudem ainda mais.

Eu acho que se você não se jogar no campo, não vai rolar, e esta é a minha opinião.

Pessoalmente não acredito no tal "alimento puramente africano" que você fala na culinária baiana, há uma gritante e imensa influência africana, sem dúvida, eles eram maioria em grande parte do país, os pratos que eles prepararam, os nomes recebidos contam a história e suas origens, deixando claro quem cozinhava e quem comia aquilo ali, mas era tudo adaptado ao que o português plantava e servia, ao que já se tinha na terra Brasilis. Na minha opinião os pratos deles (escravos) são culinária brasileira (colonial): e por consequência baianos, mineiros, pernambucanos, cariocas etc...

O português tinha o poder, filtrou tudo e não importavam alimentos das tribos africanas, não existe isso, nem pimentinhas. A África recebia produtos e dava mão de obra. Uma questão de espaço físico nos navios negreiros, o comércio era proibido por Portugal e restrito. O que os africanos comiam em inúmeras regiões do Brasil era comida de indio, re-adaptada já que as senzalas recebiam uma gororoba a mais e então eles criavam e rebatizavam lá mesmo na língua deles...esse rango não pode ser chamado de africano ele é brasileiro, fruto desse local, onde esse caldeirão foi aquecido.

Mas, querido, os africanos eram muitos, muitas nações mesmo e todos comiam o que tinha aqui. Está mais do que comprovado que Africa e Asia receberam tanto do Brasil (via Portugal) quanto recebemos deles. O navio saia e voltava cheio, lei básica do comércio internacional.

O curioso é que a comida do povo na Africa negra hoje é mandioca e nas regiões de conflito o alimento é o milho importado que foi penetrando com as USAIDs da vida.

Antes de parar de te encher o saco, os malês são uma minoria, mesmo na Bahia e se você ler o Verger, que alguém acima mencionou, vai ver que eles levaram da América mais alimento do que trouxeram, ou seja, eles são pré-saarianos, nunca tiveram tanta fartura de alimento como na passagem pela América brasileira.

Outra curiosidade, africanos, e eu estudo e trabalho com muitos deles, detestam pimenta. Minha experiência com congoleses dos dois congos, angolanos, ugandenses, burundienses, ruandenses e nigerianos é que eles detestam pimenta. A comida deles é bem parecida com a brasileira em geral...

Haja paciência para me aturar!

C.

Postar um comentário