12/08/2010

Armadilhas da hospitalidade (para clientes e proprietários)

Um dos aspectos mais importantes num restaurante é a hospitalidade. Tanto ou mais que a comida, visto que raramente voltamos para comer um bom prato onde não nos sentimos convenientemente acolhidos. A hospitalidade faz de um lugar onde você está temporariamente um desejo permanente.

Todos os serviços estão ligados a esta idéia, e ela começa a agir antes mesmo de você chegar.. Por exemplo, a reserva. Se o restaurante não faz reserva após as 21 horas – como é usual em São Paulo – para que então o sistema de reservas enganador? Para que a hostess, já que um dos seus papéis principais é acolher e orientar o cliente que fez reserva?

Outro exemplo: posso ou não levar meu vinho de casa? Há casas que permitem, outras que não permitem. Essa é uma diferença essencial para quem tenha uma boa garrafa de vinho e queira degustá-la com boa comida. Mas, de repente, chega a cobrança da “rolha” na conta, que não estava escrita em parte alguma, e que pode custar qualquer coisa. Em cima do valor da “rolha” (que é puro “serviço”) cobra-se os 10% do antigo “serviço”, hoje chamado “troco” para burlar a legislação trabalhista. Serviço “em cascata” cobrado por quem reclama de impostos “em cascata”...

E aqueles restaurantes onde, sem mais nem para que, você é abusivamente servido de água, cerveja ou uma taça de champagne ao chegar e, depois, leva um susto na conta? Fico imaginando esses artifícios sendo cerebrados entre maitres, barman, gerentes e proprietários. Os espertos contra os tolos num jogo de soma zero no médio prazo.

As toalhas e guardanapos? Outrora eram de algodão, hoje de papel ou de tecido sintético – uma lixa que consome seu bico fino. Às vezes sinto que também as taças de vinho estão fora do lugar: carta de vinho modesta, taças de cristal e muita empombação no serviço.

O cardápio: aposta no discernimento do cliente ou constrói frases rebuscadas para explicar o inexplicável? Ele se curva diante dos mantras modernos (“orgânico”, “natural”, “crocante”, “forno a lenha”) ou simplesmente estabelece uma comunicação econômica e correta na descrição dos pratos?

As idéias de conforto arquitetônico, de iluminação, de som ambiente, também se juntam para definir um conceito de hospitalidade. O preço do estacionamento também. Há casas que participam do valor cobrado. Afinal, estão para vender alimentos ou montar um caça níqueis em todas as brechas?

Tudo isso tem uma lógica econômica, é certo. Vai se modificando a hospitalidade para fazer frente à concorrência ou simplesmente “nivelar-se” com o mercado. Mas será que não se vão os dedos junto com os anéis? O que o proprietário julga essencial quando sacrifica itens da hospitalidade?

Nada substitui essa reflexão básica quando se abre um restaurante. Como queremos que o cliente se sinta? Numa extensão de sua casa, num aquário para ver e ser visto; ou como um príncipe por duas horas - desfrutando um luxo ao qual normalmente não tem acesso? Contamos apenas com a demanda aquecida de uma classe média que cada vez mais quer comer fora de casa?

São Paulo criou várias alternativas ao longo de sua história. O modelo “tratoria” ou “bistrô”; o modelo restaurante “família”; o “templo da alta cozinha”; o comedouro simples e despojado para a clientela do bairro; a pizzaria dominical; a churrascaria rodízio, etc. Cada modelo desses deve encarnar uma proposta clara de hospitalidade, assim como uma cozinha de fácil intelecção.

Os proprietários deviam pensar em como eles mesmos gostariam de ser recebidos, e não olhar a clientela como um rebanho do qual extrairão um ticket médio estabelecido como meta para garantir uma margem de lucro deste ou daquele tamanho. Lucro e hospitalidade confortável não são incompatíveis.

As vezes nos surpreendemos diante de casas que, apesar da boa comida, não “pegam”. Não será por que os proprietários não se detiveram um minuto sequer sobre o modelo de hospitalidade a praticar?

1 comentários:

Dalmo disse...

Como sempre preciso.
Abraços
Dalmo

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