Não há feijoada no sertão, pois não há feijão preto. Há feijão gordo, como em toda parte, mas não essa celebração nacional urbana que é a feijoada. O feijão de corda é o dominante. O mulatinho também é comido.
Bonita a maneira como Dna Ana descreve o papel do feijão, ao lado do maxixe, na celebração da época da colheita. É costume fazer um “cozinhado” com os primeiros feijões e oferecer aos vizinhos e amigos. “O mimo é sempre retribuído com alguma guloseima (bolacha, confeitos) ou mesmo peça de roupa”. Feijão de coco, feijão verde escorrido, feijão com verduras e legumes; dobradinha, feijão seco com misturas, feijão escaldado. Feijão branco? Só na dobradinha.
O milho. Outro must do livro.”No meu entendimento este é o ingrediente mais versátil da culinária local”, diz Dna Ana. No meu, um forte concorrente da mandioca na dieta brasileira, embora as fontes históricas prefiram a mandioca como mais “tipicamente” nacional. Não penso assim.
Estou convicto de que os índios brasileiros dividiam-se entre a mandioca e o milho. No Sul e Sudeste prevaleceu a culinária dos guaranis, mais afeitos ao milho; ao passo que os tupinambás da costa preferiam a mandioca, vinda da Amazônia.
Os bandeirantes aderiram ao milho. São Paulo adaptou o cuscuz marroquino ao milho. E o milho entrou Brasil afora. Foi ter ao Nordeste, pelas rotas das tropas e tropeiros do sul e do sudeste. Não há outra explicação para a forte presença do cuscuz na culinária sertaneja, com grande “diversidade de empregos e sabores”. Dna Ana descreve os vários processos para se chegar à farinha de milho da qual se faz o cuscuz. É uma aula rara de sabedoria culinária. Mostra até como ele se mistura às vezes com a mandioca, originando o “cuscuz de goma”. Da manhã até a noite sempre se come ou pode comer algo elaborado com milho. Há também o mungunzá (bela receita com “mão de vaca”!) e o xerém, completando a enciclopédia sertaneja do milho.
Outro capítulo notável é o dos legumes e verduras. A autora revela rara sensibilidade etnográfica, superando aquela camada superficial em que ficam os pesquisadores não muito dedicados e que crêem que o sertanejo não gosta desses alimentos.
Abóboras, maxixe, quiabo, batata-doce, bredo, milho verde. As abóboras são aproveitadas de modo bem extenso: fruta, folhas, flores, “olhos”, “tripas” e sementes. Folhas no feijão, quando verdinhas, ou refogadas; flores e “olhos” refogados ou ensopados no leite de coco. O jerimum caboclo é o que mais se presta para ensopados, refogados e purês. “Misturado com quiabo, é ensopado no leite de coco ou refogado na manteiga, temperado com cebola, coentro, cebolinha-verde, tomatinho, pimentão. Acompanha carne, peixe, ave, caça, miúdos”. Quibebe? É prato típico do período de chuvas.
O maxixe é de uso corrente, mas na Semana Santa é parte obrigatória do cardápio para servir com peixe.
(Segue nos próximos posts)
01/09/2010
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1 comentários:
Eu sempre tive uma curiosidade a respeito do lugar do peixe na rotina alimentar do sertanejo nordestino - se é que podemos fazer esse tipo de generalização. É que tem um restaurante aqui no Ceará (que se diz especializado em "cozinha serteneja"), cujos proprietários (autodenominados "sertanejos") não inserem o peixe no cardápio porque, para eles, esse não é um alimento "típico" do sertão, mas do litoral. E a fidelidade a essa idéia é tamanha que o restaurante simplesmente não funciona na Sexta-feira Santa.
Então quer dizer que os sertanejos não seguiam esse costume cristão?
E quanto aos rios que cortam os sertões do Nordeste, como o gigante São Francisco, por exemplo, nunca foram aproveitados como fonte de alimento?
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